Elas chegam casadinhas, mas não aguentam o tranco. Na primeira DR (discussão do relacionamento) caem fora.
Tudo indica que não gostam da pressão do pé direito, ou do esquerdo, tanto faz. E não têm fetiche por suor. Se odores fossem afrodisíacos, elas não escapariam.

São absolutamente liberais, não se submetem a uma relação monogâmica e, no primeiro descuido, somem. Sem adeus, sem até nunca mais, coisa e tal. Simplesmente somem.

Só Dalí, o Salvador, seria capaz de entendê-las. Numa pintura surreal, ele retrataria as novinhas pulando a cerca – que as velhas cansadas de guerra estão sempre à mão. Estas já foram pra linha de frente e carregam as cicatrizes das lutas cotidianas, tanto que perderam o encanto e jazem no fundo da gaveta.

Então, na imagem de Dalí, elas submergiriam na máquina de lavar onde se esbaldariam na gandaia de rotação liberando sensações represadas, para depois nadarem a um universo paralelo…

Na real, é um mistério! Por aqui, há gavetas abarrotadas de meias novas sem os respectivos pares. Não sei por que ainda não as descartei, já que só ficam tomando espaço. Mas a paciência está se esgotando. Se não servem, ao menos que não atrapalhem na hora da pressa.

O sumiço de meias não é coisa recente nestas bandas. Elas desaparecem desde sempre, deixando a outra totalmente inútil, embora fofa, linda e gostosa. Afinal, quem é que vai usar meia diferente em cada pé? O Saci?

Pensando bem, teve uma vez, lá pelos idos de setenta, que eu estava com o primeiro filho no consultório do pediatra para a revisão mensal. Ao tirar o macacão tip-top, quase tive um piripaque. E não foi porque, sentindo-se livre das roupas, o pequeno mirou no jaleco do doutor e desaguou feito um chafariz, pingando até no sapato. A causa do meu constrangimento estava nas meias que a babá vestira no bebê: uma vermelha e outra azul. Pareciam duas luzes piscantes anunciando o Gre-Nal.

Essa lembrança, que cochilava no baú dos embaraços, não me parece hoje tão vexatória assim. Inclusive, ela está me dando uma boa ideia sobre o que fazer com as meias viúvas… Por que não casá-las novamente? Não dizem que os opostos se atraem? Então! Até porque, no inverno, elas ficam escondidinhas… A não ser que algo aconteça e, de repente, você se vê numa maca, com meia preta no pé direito, e branca, no esquerdo. Mas quem ligaria para detalhes fúteis numa hora dessas?

Bom, pelo sim, pelo não, melhor procurar algumas afinidades antes de juntá-las para sempre. O par com diferenças acentuadas não dá pé.