Problema de saúde pública atinge pelo menos 40% das crianças das redes municipal e estadual de Bento Gonçalves

Em uma época de fast food, alimentos industrializados, excesso de telas, aumento da frota de carros em contraponto com a movimentação física, a obesidade infantil, mais que um sério problema de saúde pública, trata-se de um sintoma negativo de nossos tempos. Os números levantados por pesquisas internacionais, como a coordenada pela universidade inglesa Imperial College London e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2017, apontam que a taxa global de obesidade infantil foi multiplicada por dez nas últimas quatro décadas. O estudo afirma ainda que o Brasil terá 11,3 milhões de crianças obesas em 2025, número que ultrapassa, por exemplo, a taxa de crianças com desnutrição no país.

Em Bento Gonçalves, a realidade não é diferente. Estudos de acompanhamento feitos pela Secretaria da Saúde, junto ao Programa de Saúde Escolar (PSE), destacam que 40% das crianças acima de sete anos da rede municipal e estadual sofrem de sobrepeso ou obesidade. Foi pensando nessa realidade que se organizou o 2º seminário de Atenção Integral a Saúde dos Adolescentes e o 1º Seminário sobre Obesidade Infantil, evento direcionado aos profissionais da área da Saúde e Educação, que ocorreu na quinta-feira, 27, no auditório da Faculdade Cenecista.
Entre os principais temas abordados nas palestras, destacam-se: as discussões acerca dos transtornos do comportamento alimentar; aprendizagem sobre comportamento alimentar saudável; prevenção e tratamento da obesidade infantil; e o guia alimentar para a população.

Segundo a nutricionista especialista em psicologia e reeducação do comportamento alimentar, Patrícia Damé, que foi uma das palestrantes do seminário, os números revelados pelas pesquisas globais e mesmo as municipais são sintomas do estilo de vida contemporâneo. “Estamos nos movendo menos, fazendo menos atividades a pé e gastando menos energia. Em contraponto, estamos comendo e bebendo mais alimentos com uma concentração muito maior de calorias, açúcar e gorduras”, salienta.

Em relação à obesidade infantil, ressalta que o problema também tem raiz no chamado “tempo de tela”, ou seja, o tempo gasto com celulares, tablet, televisão e videogame. “Além de substituir atividades que gastam energia, como correr e brincar na rua, quando a criança está na internet ou assistindo algo, ela normalmente fica exposta à propaganda e marketing de alimentos ultra processados. E essa combinação de falta de atividades físicas e consumo de alimentos industrializados é um dos principais fatores de risco quando falamos de obesidade infantil”, explica.

De acordo com uma das coordenadoras do evento, a nutricionista da Secretaria de Saúde de Bento Gonçalves, Andressa Giacomello Dal Cin, o Seminário é apenas uma das estratégias do município para enfrentar o problema. “São diversas as ações de prevenção nas escolas, em esforço conjunto com a Secretaria da Educação; há também o programa Olhar Atento, que trabalha com o estímulo da alimentação saudável; e nas unidades de saúde, desde a primeira infância, há campanhas de estímulo à alimentação materna e a introdução adequada de alimentos ao longo das diferentes faixas etárias”, enumera.

Andressa explica ainda que, além dos programas promovidos pelo munícipio, as escolas têm a liberdade de trabalhar a sua maneira: algumas contam com hortas escolares, enquanto outras promovem visitas das crianças em feiras, por exemplo”, finaliza.

“Comer emocional”

O termo bastante utilizado entre os nutricionistas diz respeito ao fator psicológico observado, sobretudo, nas crianças. Para além da correção de fatores como o comportamento alimentar inadequado e o sedentarismo, o tratamento da obesidade infantil passa muitas vezes pelos cuidados com o lado emocional. Além do tédio, a solidão, o bullying e a discriminação são motivos que reforçam a ansiedade e alimentação compulsiva. Por isso, é de suma importância estar atento ao lado emocional da criança, porque isso vai interferir muito na relação dela com o peso e a alimentação.

Patrícia afirma que além da importância dos trabalhos prestados pelas escolas e pelos orgãos estaduais e municípais, os sucessos e insucessos da reeducação alimentar passam, principalmente, pelo núcleo familiar.

Ela destaca ainda que são comuns os casos em que a família, preocupada com o sobrepeso dos filhos, impõe restrições muito rígidas que acabam aumentando a ansiedade, e fazem com que a criança coma ainda mais, numa espécie de efeito rebote. “A principal dica para os pais é fazer uma intervenção junto à família toda. Fazer algo em específico para uma criança que está com sobrepeso ou obesidade fará com que ela se sinta diferente. Além disso, é necessário evitar termos como ‘dieta’ ou ‘perda de peso’ que podem acarretar em um grande peso emocional para as crianças”, finaliza.