É cada vez maior o número de pessoas que apresentam problemas relacionados a intolerâncias alimentares, mas alguns medicamentos já estão disponíveis para amenizar esses problemas, que não têm cura

Entre farinhas, amidos, polvilho e grãos está Leocádia Strapazzon. Há pouco mais de um ano, com 37 anos de idade, mãe de dois filhos, ela descobriu que não poderia mais ingerir alimentos que tanto amava, como pizzas, pastéis, queijos e a cervejinha do fim de semana. “Cada vez que eu comia um doce, um creme, um sorvete, eu me sentia muito mal. Eram cólicas terríveis, diarreias, mal-estares. Fiz exames e, neles, foi constatada intolerância à lactose. Foi um choque. Ainda mais aqui na nossa região, onde tudo gira em torno de comida. Além disso, o preço dos alimentos para quem tem restrições é muito mais alto. Jantar fora com os amigos é uma novela. Ou eu como antes de ir, ou fico sem comer, ou eles têm que ir onde têm coisas que eu possa ingerir. Então, parece que tudo é empecilho”, relata.

Se não bastasse, mesmo se cuidando para não ingerir derivados do leite, muita coceira e feridas na pele começaram a acompanha-la, juntamente com faltas de ar e enxaquecas. Novos exames. E aí, foi constatada alergia ao glúten, ou seja, a todos os derivados do trigo. “Não tinha remédio que acalmasse. As idas ao hospital para fazer injeções na veia se tornaram frequentes. A pele estava muito seca”, diz ela.

Mas os problemas não pararam por aí. Uma enzima chamada “lactase”, criada para inibir os efeitos da lactose, à venda nas farmácias, foi a salvação para Leocádia. “Pelo menos algumas coisas poderiam ser ingeridas, minha alegria foi imensa. Adquiri um frasco e, qual foi minha surpresa? Na primeira dose que tomei, passaram-se 20 minutos, uma diarreia muito forte me atacou. Me contorci de dores. Ao procurar atendimento, fui informada que sou alérgica à proteína do leite. Ou seja, nada resolve, pelo menos por enquanto”, enfatiza.

Hoje a rotina dela – e da família toda – mudou totalmente. Feijão, arroz e carnes passaram a ser a base do cardápio diário, acompanhados de saladas. O café da manhã, geralmente, é composto por ovos e tapioca. O jantar, na maioria das vezes, são frutas. “A família, agora, está adaptada. No início eu fazia dois tipos de comida, mas não tenho condições de conviver com o trigo. Qualquer contato com o trigo em pó foi abolido. Eles comem o que eu como. Se quiserem alguma coisa com trigo, como pizzas, xis e outros lanches, eles compram prontos. Eu não preparo mais nada”, conta.

Leocádia lamenta apenas o custo da alimentação, pois com relação à qualidade de vida, esta melhorou muito. “Para substituir uma xícara de farinha de trigo numa receita precioso de três outras farinhas e mais uma goma. Além de trabalhoso, o sabor não fica igual. Muitas coisas foram jogadas fora, porque não sabíamos qual era o gosto, qual era o ponto. Então parecia que tudo tinha dado errado. Foram muitas experiências para chegar ao ponto. Os leites também são caríssimos. Hoje faço em casa leite de arroz, leite de amêndoas. Agora já sabemos como são as coisas. Nos adaptamos”, finaliza.

Sinais e sintomas

A médica gastroenterologista Vanessa Ferlin salienta que entre os sintomas mais comuns das intolerâncias alimentares estão dores abdominais, distensões do abdome (inchaço), flatulências (gases), diarreia ou constipação (intestino preso). Mas também é possível suspeitar ainda na infância, quando a criança tem anemia sem causa, ou se o crescimento está abaixo do esperado.

Vanessa frisa que, antes de buscar auxílio médico, é importante avaliar se os sintomas se repetem. “Se toda vez que a pessoa consumir um determinado alimento o sintoma for o mesmo, o ideal é confirmar o diagnóstico. Não é raro que a pessoa tenha mais de uma intolerância alimentar”, comenta a profissional.

Conforme ela, a doença celíaca, que é a intolerância ao glúten, pode levar a problemas de saúde crônicos, como anemia, carência de vitaminas, osteoporose e quadros depressivos. “Se não for diagnosticada e acompanhada, o risco de complicações maiores é grande”, diz Vanessa.

Entre os exames necessários para detecção estão os de sangue e, por vezes, alguns invasivos, como endoscopia e colonoscopia, para que sejam feitas biópsias do tecido afetado. “Em alguns casos lançamos mão dos chamados testes respiratórios, que podem ser realizados no consultório. Vai depender de que intolerância estamos suspeitando”, afirma a médica.

A gastroenterologista ressalta, ainda, que a lactase funciona se for utilizada na dose correta. “Cada pessoa tem uma demanda individual. Isso varia conforme o quanto será ingerido e o quão intolerante o paciente é. Na consulta conseguimos ajudar nos ajustes para que o uso seja mais confortável para o paciente. O ideal sempre é consumir pequena quantidade do alimento (derivado do leite)”.

Vanessa frisa que existe a possibilidade da intolerância a lactose ser secundária à doença celíaca ou a outras doenças intestinais. Por isso, a realização de exames e o acompanhamento médico é de grande importância”.

Com relação ao aumento no número de casos, a médica acredita que, com a informação mais acessível, as pessoas têm prestado mais atenção aos sintomas, entendido que não é preciso ter desconforto com a alimentação. Os métodos diagnósticos também estão melhores e conseguimos detectar com mais precisão”, assinala Vanessa, que complementa: “Não há necessidade de aderir a dietas caras se houver um bom acompanhamento nutricional. Sempre recomendo que o paciente tenha ao seu lado uma nutricionista com experiência no assunto, o que torna tudo mais fácil”.
Como dica para quem precisa comer fora de casa, a médica destaca que fazer as refeições com calma e ter tempo para observar o que vai consumir é fundamental. “Na dúvida, questionar como o alimento foi preparado é muito importante. No caso dos celíacos, é necessário evitar lugares onde há contaminação excessiva pelo glúten, como pizzarias. Não adianta comer uma pizza feita com farinha de arroz se, no mesmo ambiente, há grande quantidade de farinha de trigo sendo dispensada. Além disso, é preciso fugir dos alimentos que estão na lista de proibições”, finaliza.

Reações alérgicas

A dermatologista Flávia Casagrande pontua que a alergia alimentar é considerada atualmente um problema de saúde pública. “É definida como uma doença consequente a uma resposta imunológica anormal, que ocorre após a ingestão e/ou contato com determinados alimentos. A pele é um dos órgãos mais acometidos nas reações alérgicas a alimentos. Urticária, angioedema e dermatite atópica são as manifestações cutâneas mais comuns”, diz.

Conforme ela, o diagnóstico de manifestações cutâneas de alergia alimentar é clínico, podendo ser auxiliado através de testes laboratoriais, prick test ou então a exclusão do alimento suspeito na dieta e sua reintrodução. “O acompanhamento por especialista é necessário e, por vezes, é preciso uma equipe multiprofissional, com alergologista, dermatologista e gastroenterologista”, frisa.

A dermatologista Flávia Casagrande explica os diferentes sintomas de dermatites, alergias e intolerâncias:

Dermatite atópica (DA): é uma doença inflamatória crônica, de predisposição genética e que envolve mecanismos imunológicos complexos. Não é considerada uma alergia, mas pode ser agravada por ela. A alergia alimentar ocorre mais frequentemente em crianças (geralmente menores de seis anos) e parece haver relação de piora dos sintomas em até 30% dos casos, naquelas que desenvolveram a doença precocemente e que apresentam a patologia nas formas moderada ou grave. Os principais alimentos envolvidos na DA são: ovo (cerca de 80% dos pacientes com DA agravada por alimentos apresentam o ovo como alérgeno desencadeante), seguido pelo leite de vaca, soja e amendoim. Deve ser destacado que grande parte dos pacientes com DA apresentam níveis séricos elevados de Imunoglobina E (IgE) total e podem apresentar reatividade aos testes laboratoriais de forma inespecífica, sendo necessário confirmá-los por meio da história clínica. Para confirmação da relação entre o alimento e a dermatite atópica podem ser necessárias dietas de exclusão por um tempo limitado seguidas de nova introdução de alimentos.

A dermatite herpetiforme: é uma doença bolhosa da pele. É uma reação imunológica não alérgica contra uma região, o que leva ao surgimento de pápulas (bolinhas vermelhas) que evoluem para vesículas (pequenas bolhas) e bolhas, de aspecto semelhante ao herpes. A DH é associada a uma doença intestinal por sensibilidade ao glúten (doença celíaca). O glúten é uma proteína presente no trigo, centeio, cevada, aveia, malte e painço, assim como em seus derivados, como a farinha. É uma doença crônica, de longa duração, oscilando entre períodos de exacerbação dos sintomas e de melhora. Acomete principalmente crianças, adolescentes e adultos do sexo masculino. É importante a orientação médica sobre a doença, recidivas, exames complementares a serem seguidos e controle da patologia.

Diferença entre urticária e angioedema: A urticária se apresenta com a presença de lesões elevadas, avermelhadas, com halo, bem delimitadas e com intensa coceira. O angioedema acomete mais profundamente a pele, como olhos, língua e lábios inchados. A anafilaxia pode ocorrer após início de urticária/angioedema, portanto merece muita atenção, pois é uma manifestação grave de alergia (levando a insuficiência ventilatória e choque). É de mais fácil identificação do alérgeno, uma vez que a anafilaxia ocorre até duas horas após a ingestão dos alimentos. Outros mecanismos não alergênicos podem levar à urticária, com a ingestão de algumas frutas como morango e banana, e certos queijos e tomate. A intoxicação por bactérias em alimentos contaminados ou em peixes em mal estado de conservação, podem também gerar urticária. Esta situação pode ser confundida com alergia alimentar.

Intolerância à lactose: O aumento da prevalência de casos de intolerância à lactose pode estar ligado à grande presença do leite e de seus derivados na base da nossa alimentação. Esse problema pode se manifestar em qualquer fase da vida. As pessoas que apresentam os sintomas desse transtorno são aquelas que possuem deficiência da enzima lactase, necessária para a quebra do açúcar presente no leite e nos seus derivados e adequada absorção. Os principais sintomas acometem o trato digestivo (como náuseas, diarreia, vômitos e gases), mas também podem se manifestar na pele, por meio de vermelhidão, inchaços e feridas. Na presença de doenças inflamatórias crônicas, como acne e dermatite atópica, leite e seus derivados podem agravá-las e dificultarem o controle da doença e resposta ao tratamento. Teste de exclusão do alimento e reintrodução do mesmo, teste de intolerância à lactose e outros (teste de hidrogênio na respiração e teste de acidez nas fezes) podem auxiliar no diagnóstico.