Pela primeira vez em cinco anos, a Selic deve chegar aos dois dígitos. O objetivo é inibir o consumo e investimentos, reduzindo o IPCA que ficou em 10,06% em 2021

Começou ontem, 1º de fevereiro, a primeira reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). A decisão final sobre a variação da taxa básica de juros, a Selic, deve ser divulgada até hoje, no fim do dia. Os resultados, porém, já estão previstos por especialistas da economia: pela primeira vez em cinco anos, o percentual deve chegar aos dois dígitos, 10,75%.

Segundo a professora economista da Universidade de Caxias do Sul, Monica Beatriz Mattia, o aumento demonstra que a política econômica em curso é restritiva. “Visa inibir consumo e investimentos, buscando reduzir a taxa inflacionária, extremamente elevada, de 10,06% em 2021. Assim, a Selic é 0,69 pontos percentuais acima da inflação”, explica.

O aumento na taxa serve para forçar uma baixa nos preços, reduzindo a taxa anual de inflação. “De modo geral, o governo precisa de mais dinheiro para pagar os juros sobre os empréstimos contraídos para cobrir os sucessivos déficits de seu orçamento anual. Isso significa reduzir os investimentos na economia. Todo novo empréstimo impõe juros mais pesados ao governo, que reduzirá a oferta de serviços públicos”, aponta.

Além disso, Monica destaca que uma taxa Selic mais elevada não vem sozinha, pois há redução da liquidez na economia. “O dinheiro custará mais caro, pessoas serão desestimuladas ao consumo, sempre com o objetivo de reduzir a demanda para forçar uma diminuição nos preços”, expõe.

Os índices mostram se a estratégia de aumentar os preços dos itens comprados no cotidiano, com o objetivo de resolver a situação econômica do país, está funcionando. “No mês de outubro, a inflação apresentou a taxa mais elevada do semestre, reduzindo em novembro e dezembro, a partir de uma política econômica restritiva mais agressiva. Inflação elevada traz insegurança ao setor produtivo, pois desorienta o mercado”, menciona.

Para Monica, se não fosse uma taxa de câmbio favorável às exportações, a economia brasileira estaria numa situação de desemprego maior. “Mas esse fator também é responsável pela elevação no preço, pois tudo o que é importado fica mais caro, desde insumos, matéria-prima e produtos industrializados. Com o valor dos importados maior, sobem os preços dos produtos, gerando inflação. O Brasil encontra-se numa armadilha. Inflação alta, taxa de juros alta e taxa de câmbio elevada. Modelo insustentável para uma economia saudável”, ressalta.

Segundo a professora, a meta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é de 5,0%, podendo ser 2% para mais ou para menos. “Para 2022, a inflação prevista é de 5,38%. Reduzir a de 2021 de 10,06% para 5,38% imporá um grande sacrifício para trabalhadores e muitos setores da economia brasileira. Caso os números estourem a previsão, certamente haverá elevação ainda maior da taxa de juros, o que seria caótico. Assim, esse remédio amargo de uma Selic mais elevada, inibindo consumo e investimentos, precisa sempre ser evitada. Para isso, o governo não pode deixar a inflação fugir da meta prevista, pois para corrigi-la e recolocar a economia nos trilhos, o custo é ainda maior”, salienta.

Como melhorar a situação econômica do país?

A economista realça que o Brasil precisa tomar decisões importantes. “Houve desindustrialização, pois alguns segmentos se associaram a empresas chinesas para produzir seus produtos a custos menores. Agora, nesta nova geopolítica mundial, é preciso avaliar esse processo de reindustrialização, como o país pode se reinserir nas cadeias globais de produção. A tarefa é de alta complexidade”, analisa.

Ademais, Monica diz que vai ser necessário olhar para o mercado interno. “Observar que há tendência do preço das commodities caírem e a entrada de dólares cairá, desestimulando as exportações. Porém, as bases produtivas cresceram aproveitando este ritmo de exportações”, sublinha.

De acordo com a docente, o Brasil ‘surfou bem’ na onda de elevação do preço das commodities, garantindo superávit comercial, ou seja, houve mais entrada de dólares com exportações do que saída com importações. “Estimulou as saídas, forçando os preços internos a se equipararem com os internacionais, ou seja, os consumidores brasileiros competiram pelos produtos com os de fora do país, a preços altos”, exemplifica.

Outro caminho de melhora, segundo a economista, são as concessões e privatizações. “Elas garantirão investimentos, especialmente em infraestrutura: rodovias, portos, aeroportos, saneamento e energia, além do pré-sal. Possivelmente, são esses os responsáveis pelo novo ciclo de crescimento da economia”, acredita. Por fim, Monica acrescenta que é preciso preparar o Brasil para trabalhar com tecnologias em todos os setores produtivos e de serviços.

Brasil no futuro

As perspectivas para o futuro próximo não são muito diferentes das atuais. “Em 2022 a economia não será melhor do que 2021. Apesar de ser ano eleitoral, o governo errou o time no controle da inflação e não poderá aumentar seus gastos visando as eleições. Assim, não terá como estimular a economia, que dependerá mais do setor privado”, assegura.

Para os financeiramente organizados, a taxa Selic acima dos 10% pode ser um fator positivo. “Será muito bom para o setor financeiro e para poupadores que terão uma remuneração financeira satisfatória em função da alta taxa de juros – ótima para os que poupam, péssima para quem precisa de crédito”, conclui.