Se ficar, o bicho come. Eis a questão!
Na minha infância, o sol funcionava como um antídoto do medo. Era só uma nesga de luz penetrar pelas frestas da janela do quarto, que os fantasmas sumiam. Depois, adolescente, vi no sol a possibilidade de ser o que eu não era: morena. Resultado: pele de camarão que, com o passar dos anos, veio ganhando acréscimos, como manchas suspeitas. Soube-se então que o astro-rei que orbita em torno da Via Láctea podia ser um ditador implacável, emitindo uma radiação com efeitos cumulativos, cujos resultados vão do envelhecimento precoce ao câncer de pele. Bom, não adiantava chorar o leite derramado. Novas posturas urgiam. Era tempo de descartar, definitivamente, as misturas caseiras incrementadas até com coca-cola, para se acentuar o efeito do sol. Mais: o leite das folhas de figueira, que haviam deixado um rastro de destruição na vida de algumas pessoas, foi “excomungado”. E, finalmente, os protetores solares substituíram os bronzeadores de farmácia. Tudo muito bom, tudo muito bem, se…
Pois é! Sempre subordinados a essa conjunção, que vem nos impondo condições desde o tempo de colégio, quando ela nos assombrava nas sabatinas mensais e no exame final. (Abro um parêntese para explicar aos mais jovens o significado dessas palavras, pois eles devem estar “surfando na batatinha”: “Sabatina” não tem nada a ver com “sabão na tina”. Eram as provas orais ou escritas usadas para mensurar o conhecimento dos alunos. Já o “exame”, aplicado no final do ano letivo, sem agulhas nem anestésicos, determinava se o aluno seria promovido para a série seguinte ou se ficava em “segunda época” – a atual “recuperação”. Parêntese fechado).
Como dizia acima, tudo muito bom se uma nova sentença não tivesse caído sobre nossas cabeças, em decorrência da falta de exposição solar: carência de vitamina D, com efeitos significativos no metabolismo dos ossos. E então, o que escolher? Tumores ou osteoporose? Parodiando Hamlet, “será mais nobre/para a nossa pele sofrer as penas/com que o sol enfurecido nos alveja/ ou, insurgindo-nos contra um mar de problemas/ter os ossos deteriorados pela falta de cálcio no sistema?”. Nem Shakespeare saberia dizer depois de quatrocentos anos de reflexão no além-túmulo…