Quantidade já ultrapassou a média em 11%. Cultivares precoces e intermediárias já têm o necessário para boa brotação

Os parreirais, que geram o produto de maior evidência e relevância de Bento Gonçalves, a uva, precisam ser tratados o ano todo. Se no verão é época de colheita, no inverno é a da dormência, quando as plantas acumulam horas de frio para iniciar a brotação.

Segundo o pesquisador da área de fisiologia vegetal da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Henrique Pessoa dos Santos, esse processo é típico de espécies de clima temperado, chamadas de plantas perenes. As horas são contabilizadas nos momentos com temperatura de 7,2ºC ou menos. “Nesse estado, a planta perde folhas, para de crescer e o seu metabolismo fica em uma condição muito basal, apenas de manutenção e ela se torna extremamente resistente ao frio. Uma videira, em plena dormência, é capaz de resistir a -37ºC”, exemplifica.

Passado o tempo necessário, a planta se prepara para a superação do estado em que se encontra. “Ao longo do período de inverno, o somatório de frio faz com que a planta consiga superar o metabolismo da dormência, ou seja, começa a se tornar habilitada para retomar a brotação na primavera”, explica.

Existem diferenças entre cultivares com relação à exigência de frio para entrar e sair do estado de dormência. “Geralmente as mais precoces são as que têm menos exigência de frio. Por exemplo, a Chardonnay precisa em torno de 150 horas. Após isso, ela estaria apta a brotar”, afirma.

O profissional da Embrapa relata que na região, já houve 348 horas de frio. Comparado à referência climática, que considera a soma das temperaturas de 30 anos, a média é de 313 horas de frio. Isso significa que a Capital da Uva e do Vinho e cidades do entorno já estão 11% acima da média. “Isso parece alto, mas esse ano está mais próximo da normal climática. Em 2020, até julho tinha ocorrido em torno de 260 horas”, lembra.

O que esperar a partir de agora?

Se as plantas ultrapassarem suas horas de frio, não há problema algum. O contratempo é se houver cinco dias ou mais de calor, porque se inicia a brotação, correndo o risco de ter geadas tardias. “Aconteceram, na semana passada, alguns dias de calor. Isso é suficiente para a gente observar algumas brotações mais apicais, mas a maioria dos parreirais na Serra Gaúcha ainda estão dormentes, esperando dias mais quentes para brotar. Se ocorrer as frentes frias muito próximas, sem dias quentes entre elas, isso é bom para a viticultura, porque elas vão permanecer dormentes”, ressalta.


A mesma videira que, em estado de dormência, suporta – 37ºC, não tolera menos que 0ºC após estar brotada. “Se acontecer de uma semana a 10 dias de calor, vamos ter uma grande brotação, até porque com esse grande somatório de frio as plantas respondem muito rápido ao calor. O problema é, se na sequência, tivermos outras frentes frias” pondera.


Ainda não se pode, entretanto, falar sobre qualidade de safra, o que apenas será possível depois da floração. No momento atual, a temperatura só garante que a próxima colheita terá quantidade significativa. “Nesta fase, se não ocorrer nenhuma frente fria depois do calor, tudo o que vai acontecer serão brotações. Cada uma vai trazer junto a presença de cachos. Tudo indica que todo esse somatório de frio vai realmente garantir uma brotação uniforme e alta da videira”, destaca.

Recomendações aos viticultores

O momento atual é para poda e cuidado das plantas para que as brotações sejam saudáveis. Santos recomenda aos viticultores que considerem o histórico das plantas. “Muitas vezes eles não prestam atenção em como ela estava antes. Se a planta era vigorosa, com galhos grossos em grande quantidade, recomendo que neste momento ele aumente a carga de gemas nestas plantas, pois isso tende a equilibrá-las melhor, o que favorece a qualidade no final do ciclo. O contrário é para as plantas debilitadas, as mais fracas, a carga de gemas tem que ser menor”, pontua.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira e Santa Tereza, Cedenir Postal, orienta os agricultores a seguirem as instruções técnicas. “Temos no sindicato o engenheiro agrônomo que pode dar as orientações, nas cooperativas há o corpo técnico, tem a Emater, as empresas que tem os técnicos que vão a campo, mas nesse ano a previsão é que o frio se alongue. É preciso ter todo o cuidado de segurar mais a poda para que a brotação venha um pouco mais tarde”, alerta.

Com o acúmulo de frio suficiente, porém, o trabalho será um pouco menor em 2021. “A preocupação com tratamentos para brotar é mínima, a demanda por tratamentos é insignificante, ou até mesmo desnecessária”, frisa Santos.

Foto: Fábio Ribeiro/Embrapa