Clacir Rasador

Um velho ditado nos diz que cores, gostos e amores não se discutem, e a esta lista podemos somar uma variedade de outras derivações.

Dentre elas, o gosto por filmes. Aliás, me apraz muito aqueles cuja chamada registra: “baseado em fatos reais”, embora não deixe de assistir a outros que me divirtam a mente. Talvez porque daí se possa observar o que o ser humano é capaz de superar em determinada situação, via de regra deverasmente crítica, incomum e desafiadora, dentre elas, em especial, a superação de uma grande injustiça.

Ainda nos permite um exercício de empatia, ou seja, se colocar no lugar daquele personagem da vida real e se perguntar: eu faria o mesmo? Qual seria a minha reação?

Caro leitor, tenho um enredo pronto para tanto, no qual lhe convido a fazer o papel principal e ao final tirar suas próprias conclusões.

Era uma quarta-feira, 5 horas da manhã. O destino era a capital gaúcha, que já não estava tão distante. Após a primeira cuia de mate amargo, o café podia esperar para ser tomado no meu Rio Grande. Parecia, inclusive, que já se ouvisse o pranchar das águas do Atlântico nos rochedos de Torres.

No clarão da fronteira, estaciona o bruto – cavalo mecânico –, apanha a documentação e entrega à autoridade alfandegária, mas, por um lapso, e somente por isso, esquece um documento onde se registra todos os demais, chamado manifesto. Retorna rápido à boleia, e em seguida o documento está sobre o balcão, mas não no tempo suficiente de não ser enquadrado e multado pelo ato falho de apresentação a posteriori.

O amargo do mate se mistura à injustiça que desce queimando a alma e o frete, sugando o trabalho de um mês, de ano sofrível, que já vem arrastado, com muitos dias difíceis, este sim para esquecer.

Argumenta que não houve intenção e qualquer maldade, pois os documentos são eletrônicos, que antes mesmo de fazer a primeira marcha da capital paulista rumo ao Rio Grande, o sistema, que vê tudo e a todos, já sabia de seu destino, do peso e carga que transportava… tudo em vão.

Antes que sobrevenham teorias da conspiração, registra a infração que não havia qualquer prejuízo para o Erário, portanto, sem qualquer prejuízo para o RS… mas é a lei.

Sem ainda acreditar, observa com olhar vago a penumbra da noite se despedindo, tomado de tristeza e totalmente combalido pela condenação rasa e notável agilidade do Estado em tal circunstância.

Ainda um tanto desnorteado e sem direção, apoia-se ao volante, relê os dizeres naquele papel branco com o brasão do RS – símbolo este que tanto o orgulha –, o que, em dado momento, ao olhar para o retrovisor, mais lhe parece um convite a lhe empurrar para o Estado a um passo de Torres.

Discussões jurídicas a parte, esse é o enredo, o que nos parece que sim: no RS até mesmo o esquecimento é tributado – não é de ‘cair os butiá do bolso?’.

Esquecimento, há de se dizer, sempre nos cobra um preço, do mais simples ao mais complexo, mas tudo tem limite!

Quem nunca esqueceu a compra do motivo principal de ir ao mercado…

Aquela data especial… o aniversário do casamento ou do cônjuge … estas me asseguro sempre – deveriam ser bloqueados tais esquecimentos de nossa mente.

E pior ainda, aqueles esquecimentos que põe em risco a nossa própria vida.

Esquecimento parece ter vida própria, seria aquele personagem que não entrou no filme Divertida Mente, mas creio, se o fosse, agiria tal um alienígena a surrupiar nossa atenção e lembranças.

Voltemos à multa…

Poderíamos dizer que tal enredo se trata de um fato isolado, resultado da simples falta de atenção e zelo do motorista, inobservância de procedimento ou ainda algo restrito a quem exerce tal atividade.

Com o devido respeito, entendo que não, pois transcorridos 185 anos do início da Revolução Farroupilha, comemorada recentemente, tal fato se soma a tantos outros em outras atividades, o que ouso dizer, parece-me haver ainda um ranço, um resquício dos Chimangos.

Como se fosse um filme já visto por diversas vezes, na produção deste, quando os personagens estão em campanha, entre caras e bocas, LUZ, CÂMERA… as promessas nos oferecem um enredo em cujos primeiros capítulos teremos o início da saga “o corte dos impostos”. Porém, basta vermos historicamente a cada nova gestão, quando efetivamente começa a AÇÃO, a sociedade tem o sentimento de um déjà-vu eleitoral, filme “estreando”, roteiro semelhante, quando não atores até mesmo piores, e o final feliz para todos fica cada vez mais distante, pois novamente a saga prometida – “o corte dos impostos” – é substituída pela sanha do aumento da carga tributária.

Sim, é preciso não esquecer também isso, pois tal esquecimento nos cobrará um preço caro, por pelo menos quatro anos.

Aliás, e o Estado, será que este também não se esquece?

Já que as “pedras” das estradas não falam pelos seus buracos, falemos nós, os contribuintes, ou silenciaremos?

Este, dentre tantos “esquecimentos”, nada mais é do que injustiças.

A propósito, diria um certo pseudofilósofo, conhecido meu de longa data e desconhecido de todos: “a injustiça é o sofrimento que sequestra a nossa paz e nos faz entrar em guerra, sem olhar o tamanho do inimigo senão o tamanho da própria injustiça”.

Por fim, embora algumas ações pareçam querer nos dividir, não me aparto do RS, do sentimento herdado, presente nas cores verde, amarela e vermelha.

Mas porquanto perdurarem tais resquícios Chimangos, reforcemos a memória rio-grandense, não nos esqueçamos do passado, da essência dos Maragatos e dos princípios que nos relegaram os bravos da Revolução Farroupilha, sob pena de não somar nosso legado de novas façanhas ao futuro do Rio Grande.

Não tá morto quem peleia! Vamos em frente! Saúde!