Agora que o perigo já passou, tanto para o doente quanto para a companheira, eu conto. A fonte não é a “di Trevi”, mas posso garantir que é confiável. Por falar nisso, o casal já bebeu água do pequeno chafariz ao lado da famosa Fontana Italiana, que, segundo a lenda, torna os enamorados inseparáveis. Acho que isso contribuiu para que a dupla se tolerasse nestes últimos vinte dias críticos, sem intervenção familiar. Com a ajuda dos fones de ouvido, é claro! Explico logo mais.

Então nosso amigo, um obcecado praticante de atividades físicas, driblou o “corongo” que nem o Garrincha fez com a bola, mas não conseguiu escapar da nova variante de Manaus (ou de Bento mesmo), que o pegou de jeito. Ele teve os sintomas já conhecidos, como dores pelo corpo, febre, cansaço e perda do olfato – limpava a caixa de areia dos gatos sem fazer careta diante das esculturas “inodoras”.

Mas aí o vírus resolveu dar um rolê pelas bandas do sistema límbico, a parte do cérebro responsável pelas emoções, deixando o cara com os nervos à flor da pele. Com o olhar fixo no vazio, extravasava a irritação com duas palavras apenas. A mulher perguntava “Quer comer?”, ele respondia, “Não sei.” “Quer dormir?” “Não sei.” “Quer ver um filme?”
“NÃO SEI!” Quando o “não sei” ganhava tons raivosos, ela punha os fones de ouvido e fugia para o quarto.

Numa dessas ocasiões de fuga, a moça ouviu intensos latidos na sala de estar. Com receio de que as cachorrinhas estivessem à mercê da ira covídica, ela foi correndo para salvá-las, mas a briga só envolvia os de quatro patas.

Quanto ao companheiro, o quadro era bizarro. Alheio ao mundo ao seu redor que ameaçava desabar, ele xingava grupos de Whats com um conhecido palavrão, usando variações ou variantes, assim como a Covid: “no meio”, “no olho”, “no teu”, coisa e tal.

O toque contínuo do telefone fixo foi a gota d’água. Antes de arrancar os fios, o homem destratou a infeliz que, todo dia, ligava pedindo por alguém, rebaixando-a ao nível de fêmea do mamífero ruminante dos bovídeos.

Mas não há quase nada que o tempo não cure. O tempo e a química. Então o Sistema Límbico, recuperado da agressão do vírus, voltou a jogar no Hipocampo com a destreza, serenidade e empatia de sempre. Com a graça de Deus!