Não foi com a transparência de uma frase inteira que me revelaram a natureza da minha paixão. Nem com a sutileza de meias palavras. A sentença não teve vocábulo algum, como se fosse uma chatice ter que explicar coisa tão óbvia a uma criança que já tinha idade de saber que a vida não é mágica. E assim, com a maior má vontade, jogaram no meu prato de Natal enfeitado com barbas de árvore, meia dúzia de bananas. O recado estava claro: “Acabou! Papai Noel não existe.”

Joguei bananas e sonhos pela janela, curtindo minha primeira grande desilusão. Talvez estivesse mesmo na hora de saber certas coisas, dentre as quais que ser adulto não é fácil.

Depois de assassinados os natais mágicos, outros pequenos óbitos foram se acumulando no meu currículo, como é natural para todo ser humano. Lembro de alguns relacionados a questões existenciais.
A primeira eucaristia, por exemplo, foi um evento que, ao invés de encher o peito de felicidade, conforme prometido, me deixou aflita. Jesus não falara comigo. Aliás, nem eu com ele, já que, depois de comungar, travara uma batalha insana com a língua, para desgrudar a hóstia do céu da boca.

Um pouco mais tarde, já reconciliada comigo mesma, descobri que o firmamento não era o limite… Como aceitar que o Universo não se resumia a esse mundão, cujo teto era o paraíso? E que o tempo era uma questão relativa e que “há mais coisas entre o Céu e a Terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”?

Daí em diante, algumas crenças ruíram. A história de Adão e Eva viraram metáforas. Com os macacos entrando na parada como nossos ancestrais, a coisa ficou feia. No anúncio do Big Bang, as convicções explodiram. De um estado denso e quente, as certezas se pulverizaram em bilhões de dúvidas.

“The end”? Que nada! A vida é um longa-metragem. Todo santo dia, somos submetidos a novo choque de verdade, não no sentido transcendental. Terreno mesmo. Aqueles políticos? Corruptos! Aquela ONG? Suspeita! Aquele bom samaritano? Pedófilo! Aquele agente? Comprado! Aquela mãe? Desnaturada! Aquele pai? Agressor! Aquele anjo? Demônio! Aquele gesto? Interesseiro! Aquela punição? Injusta! Aquela promessa? Ficção! E assim vai…

Mas como este texto é redondo, estou de volta ao início, ou seja, na fantasia, que ficou perdida lá, na infância. E a conclusão até que é positiva. Apesar das rasteiras que a vida nos passa, a gente levanta e vai em frente, às vezes aos trancos e barrancos… E tudo se renova, inclusive na maturidade. Assim, hoje, na qualidade de “vó”, tenho a oportunidade de resgatar sentimento tão delicioso com meus netos e reviver o encantamento de uma data tão especial. É uma bênção, não é verdade, vovós?
-HO, HO, HO!