“Recomeçar é ver na prática as voltas que o mundo pode dar, é descobrir que o final é variável e que nem sempre depende das nossas escolhas. Recomeçar é renascer sempre que se sentir velho demais, cansado demais, triste demais. Recomeços são cheios de vida e esperança, cabe a nós fazermos a diferença, para que ele não seja invocado em vão…e aí está outro assunto que poderia muito bem ser um novo recomeço.”
Andressa Borges, dezembro de 2018.

Os fins de tarde não são mais os mesmos. Seja primavera ou verão, paira uma neblina meio triste. A gente sai do trabalho e vai correndo resolver os compromissos pessoais. É horrível porque já está todo mundo cansado contando os minutos para ir embora e o trânsito está um caos generalizado. Ou vai para o mercado, fazer um financiamento para se alimentar. Ou vai direto para casa, correndo, porque vai finalmente ter um momento de paz e de organizar a vida.


Em casa, não está nem claro, nem escuro. A gente não sabe se abre a janela e deixa arejar uma meia hora, se vale a pena arrumar a cama, se lava aquelas louças ou deixa acumular para amanhã. Logo vai escurecer e parece que, assim que o breu chegar, já é hora de dormir. É normal deixar tudo para amanhã, mesmo que a promessa de resolver já se desenrole há algumas noites. “Amanhã prometo que faço”. Você passa o tempo que for, entre a meia luz e a escuridão, preocupado na quantidade de horas que irá descansar e se culpando por não fazer nada produtivo nesse meio tempo. Jogado no sofá, no celular, ansioso, frustrado, vendo a vida de outras pessoas/criando uma vida sem alma.


Eu lembro dos fins de tardes diferentes. Lembro da beleza do sol se pondo. Lembro de ir para a casa depois da escola, ansiosa para brincar, lembro de assistir as novelas e ter um crush nos atores adolescentes, antes do pai chegar do trabalho, enquanto a mãe preparava o jantar. Lembro do horário de verão, onde as brincadeiras adentravam a noite, e ninguém se resfriava, nem contava as horas que faltavam para o amanhã. E dormia sem antidepressivos.


Nem precisa ir muito longe para lembrar. Parece que deixamos a cortina de fumaça nos intoxicar recentemente. Nada vale nosso sorriso, nem nossa alegria, nem nosso recomeço. Parece que não há mais tempo. Que tudo já foi feito. Que deixamos a própria vida, e tudo de bom que vem com ela, lá atrás. Com qualquer decisão, não vem só alegria. Tem perda, frustração, decepção, dor.


Mas eu gostaria de começar tudo de novo. E de novo, e de novo. Quero viver a ansiedade de um beijo molhado, a tensão de uma vigésima noite de amor como se fosse a primeira, a foto postada nas redes do meu carro novo. Quero receber flores no trabalho e fazer visitas surpresas. Quero planejar o futuro, como se fosse a primeira vez. Porque sempre é. Não importa qual a minha idade. Quero viver todas as vidas que eu puder, mesmo tendo uma só. Quero estar nos fins de tarde, com brilho nos olhos, renovada para continuar aquele dia e fazer dele não só horas contabilizadas em um relógio, mas momentos que valem a pena serem vividos, e que vão valer a galinha toda ao serem lembrados.