“Hoje foi um dia normal. Não aconteceu nada de bom e nada de ruim. Deveria agradecer por isso, afinal, melhor que não aconteça nenhuma tragédia.”
Quer motivação maior do que simplesmente viver? Escrever em diários não é mais para mim…mas já foi.
Por volta de 1998, depois de vários grandes acontecimentos para uma criança, comecei a escrever em diários. Apesar de ter muitos colegas e uma ótima família, sempre fui um pouco só e diferente. Escrever era como um abraço quentinho e um carinho no cabelo, de mim mesma.
Meus diários foram grandes companheiros, aqueles melhores amigos de crianças que se sentem diferentes, afagando lágrimas, recebendo sorrisos e aguentando surtos. Me sentia privilegiada e feliz, bem ao lado da página que dizia que estava tudo dando errado e havia chorado naquela noite. Como podem folhas amareladas, cheias de erros ortográficos e frases sem sentido, lado a lado, exalando sentimentos tão contraditórios?
O leitor deve se sentir tocado pelas palavras escritas. Mas nem sempre ele sabe em quais circustâncias e motivo aquilo foi escrito. São sentimentos que podem ser totalmente opostos. Ler um diário é uma viagem no tempo. É lembrar de coisas que você nem imaginava que tinha feito. O dia daquele beijo inesquecível, o dia que disseram que você é linda. O dia que seu coração foi ferido. O seu primeiro emprego que pagava R$ 80.
“Depois do nosso último encontro, muita coisa aconteceu. A escola foi superada e hoje sou grande amiga daquele grupo que eu tanto queria fazer parte. Quem diria que minhas feições mudariam tanto e eu conseguiria fazer exercícios físicos. Minha estatura hoje não é mais um problema, a não ser pelas escápulas protuberantes, mas que já estão sendo corrigidas.”
Queria poder escrever com a mesma esperança. Continuar escrevendo em um diário me assusta. Mas se eu escrevesse, seria mais ou menos assim: ‘Oi Diário, hoje eu me estressei o dia inteiro, cheguei em casa e tive que cozinhar, não fiz a unha porque não deu tempo e aquele boy que disse que eu era diferente nunca mais falou comigo.’
Lendo os antigos diários no fim de semana, estranhamente tentando sentir o que eu senti naquele momento, fiquei feliz por tudo o que eu já havia feito. Apesar dos erros, talvez tudo está em seu lugar.
“Conta lá Diário, para aquela que passou dos 30 e está solteira, que os planos dela viraram de cabeça para baixo, mas que foi a melhor coisa que podia ter acontecido. Conta que hoje sei de muitas coisas, que ela vai sofrer muito, mas vai sobreviver. Conta que ela fez muito bem em ser introspectiva, assistir filmes estranhos e se interessar por coisas diferentes. E que está tudo bem não ser igual a todo o mundo, como ela sempre quis.
Um dia, Diário, ela vai crescer, vai ficar apressada, fria e prática, anulará seus sonhos para poder pagar o aluguel e considerará fraqueza falar sobre si. Pode ficar insegura, escolher relacionamentos mornos por medo de se machucar e de se expor. A esperança vai ser só fogo de palha, mas ela precisa ter. Conta para ela rápido, antes que seja tarde.”