Conforme o Secretário, equipes qualificadas e comunidade culturalmente acima da média fazem com que o poder público tenha ambição na meta. Dificuldade esbarra na falta de recursos dos governos Estadual e Federal, fazendo com que os municípios tenham que suportar um peso cada vez maior nos investimentos

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“Marido da Cláudia, pai da Martina”. Esta foi a resposta do secretário Municipal de Saúde, Diogo Segabinazzi Siqueira, ao ser questionado sobre quem ele é. E ainda, complementada por: “Elas são a base de tudo”.

Nascido em Joaçaba (SC), no dia 29 de agosto de 1979, mudou-se para Uruguaiana (RS) ainda muito pequeno, fato que faz com que se considere gaúcho. Filho dos dentistas, hoje aposentados, Joel Siqueira e Clarisse Segabinazzi, o filho do meio do casal, irmão de Fabrício e Felipe, cursou odontologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde conheceu Marlon Pompermayer, Aurélio Machado e Luís Otávio Batista. Foi através deles que, após concluídos os estudos, resolveu fixar residência na Serra Gaúcha, onde, juntos, montaram uma clínica.

Siqueira diz que, na época, em Porto Alegre, havia muita violência. A região estava em decadência econômica, ao passo em que a fronteira se encontrava estagnada. Se apaixonou pela Serra Gaúcha, pelo perfil diferenciado das pessoas, que considera extremamente trabalhadoras. Ele afirma que quem gosta de trabalhar se adapta facilmente à Região.

Devido às oportunidades de trabalho, passou a atender também em Santa Tereza, onde conheceu a esposa, Cláudia Remus, e ingressou para a política. Lá, elegeu-se prefeito por duas oportunidades (2009/2012 e 2013/2016). Foi também neste período (2013) que presidiu a Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne). Após encerrar seus mandatos no município vizinho, foi convidado pelo prefeito Guilherme Pasin a assumir a Secretaria Municipal de Saúde em Bento Gonçalves e hoje, considera estar no momento mais desafiador da sua carreira.

De Prefeito de Santa Tereza a Secretário de Saúde em Bento Gonçalves. Fale um pouco sobre essa trajetória.

Santa Tereza me ofereceu um grande aprendizado e muitas oportunidades. Eu era dentista lá, trabalhava numa Estratégia de Saúde da Família (ESF). A população me ajudou muito. E foi nas dificuldades que adquiri o conhecimento. Passamos lá pela crise pós Copa do Mundo, que massacrou com os pequenos municípios. Mas a boa gestão do dinheiro público fez com que superássemos os problemas. A bagagem adquirida me proporcionou facilidades de chegar até aqui e propor mudanças. Tivemos tempo de planejar, de identificar nossas potencialidades e nossas fragilidades, de executar mudanças.

O senhor foi presidente da Amesne. A entidade se justifica? Por quê? Avanços, conquistas e objetivos da entidade.

A Amesne tem uma força política muito grande, não reconhecida pela sociedade, mas muito identificada pelos prefeitos e gestores. Fui presidente no primeiro ano do meu segundo mandato em Santa Tereza, momento em que muitos prefeitos estavam iniciando e se conhecendo. Trabalhamos fortemente pela federalização da então RST-470, pela vinda da Universidade Federal para a Serra. A união de esforços é essencial para conquistarmos demandas, e este é o objetivo principal da Associação.

A saúde em Bento. Um panorama geral. Ontem, hoje e amanhã. Principais carências.

Bento Gonçalves tem uma saúde que é referência no Estado e, porque não dizer, no país. O grande problema, quando cheguei aqui, não era de saúde, mas sim, orçamentário e financeiro. Era problema de gestão de recursos. Mas em questão de serviços, a saúde aqui sempre foi muito boa. Não estamos mais devendo, o que dá credibilidade ao sistema. Não tivemos mais greve. Utilizamos materiais de qualidade. Temos uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24 horas referência nacional. Não faltam remédios. A atenção básica (Unidades Básicas de Saúde e Estratégias de Saúde da Família) é excelente. Precisamos apenas ampliar nossa capacidade de leitos e isso vamos ter agora, com o novo hospital. Mas o melhor de tudo aqui são as pessoas que trabalham na área, extremamente competentes e dedicadas.

Descreva o hospital público. Vai suprir que demanda?

Esta é, sem a menor dúvida, a maior obra da história de Bento Gonçalves, não somente pela função, mas pelo simbolismo que carrega. Nesse primeiro momento, será utilizado exclusivamente para o coronavírus, com 40 leitos, podendo ampliar para 80. Já temos equipamentos, a equipe está sendo treinada diariamente, em escalas de revezamento, a fim de se acostumar ao ambiente hospitalar. Vai servir como retaguarda para o Hospital Tacchini, neste momento de pandemia. Já quando terminar esse período, teremos lá os atendimentos clínicos destes pacientes. A comunidade não ficará mais quatro, cinco dias, aguardando por um leito.

Qual o custo mensal da saúde pública em Bento? Quem e como paga esse custo?

O nosso custo mensal gira em torno de R$ 9 milhões. A maior parte, cerca de 52%, é paga com o recolhimento de impostos municipais. Cinco por cento são verbas provenientes do Estado e 43% da União. Todos os aportes estão sendo feitos dentro do prazo, por incrível que pareça.

Saúde pública em Bento. Qual a situação que o senhor preconiza como ideal. O que falta fazer?

A saúde pública em Bento é considerada pelo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE) como a melhor do Estado nas cidades com mais de cem mil habitantes. Sabemos que ainda tem muitos gargalos de atendimento, que precisamos melhorar a cada ano. O ideal é termos uma atenção básica extremamente efetiva, uma atenção secundária com bastante eficácia e uma alta complexidade suficiente para comportar a população. São os três degraus que temos que cumprir. A dificuldade esbarra na falta de recursos, no financiamento dos governos Estadual e Federal, uma vez que os municípios têm que suportar cada vez mais. Este é um grande problema. E o que sempre lutamos aqui dentro, pois somos bastante ambiciosos na meta: queremos ter a melhor saúde pública do Brasil em Bento Gonçalves. É o que mais repetimos aqui dentro. Temos boa equipe para isso, temos uma comunidade que é culturalmente acima da média e isso nos permite chegar a este patamar. É lógico, precisamos fazer muito, mas temos essa condição, a curto prazo. Veja o exemplo do coronavírus. Nenhuma cidade fez o que fizemos aqui. Duvido que alguma tenha feito algo parecido.

Quais são as especialidades para as quais Bento Gonçalves é referência? E aquelas que não somos?

As nossas especialidades, na rede pública, são o Centro de Atendimento Especializado para Doenças Infectocontagiosas, o serviço de Nefrologia de urgência e emergência do Hospital Tacchini e Oncologia. Obviamente, para todos estes serviços vem um financiamento dos governos Estadual e Federal, mas quem acaba bancando a maior parte ainda é o município. Mas existe um outro lado. Não precisamos mandar estes pacientes para fora, pois a maior parte são nossos, e também acabamos tendo um local de know-how, de captação de recursos importante, de formação intelectual muito grande. Quanto mais conhecimento tivermos na cidade, com especialistas, médicos que estudaram muito, que têm um salário maior, que acabam se firmando na cidade, acabamos agregando valor como comunidade. Assim também conseguimos comparar a grande dificuldade que é encaminhar os nossos pacientes para serviços de referência de cardiologia e neurologia, por exemplo. Se pudermos ter estes serviços aqui, com uma boa estrutura hospitalar, poderemos atender melhor os nossos pacientes.

Onde está o coronavírus? Como está sendo combatido? Qual a sua verdadeira ameaça?

O coronavírus é uma doença mundial, que vai ter, segundo já percebemos, uma ação diferente em cada local. Optamos aqui por utilizar duas metas: diminuir a velocidade de contágio e aumentar a capacidade de atendimento. Compramos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), materiais de primeira necessidade e aparelhos respiradores. Isso tudo, em 30 dias. Além disso, conseguimos fazer com que o Hospital Tacchini reorganizasse sua estrutura. A maior ameaça que ele nos trouxe, segundo pudemos perceber, está ligada a idosos e portadores de comorbidades, como diabéticos e hipertensos, por exemplo. Sabemos ainda que a grande maioria da população não será afetada, mas esta mesma proporção é a de potenciais vetores do vírus. Com o passar dos dias, estamos aprendendo mais sobre a doença, copiando políticas públicas que deram certo em outros locais. Com o isolamento e o distanciamento social, impostos no surgimento do primeiro caso aqui, o crescimento aritmético foi muito lento, mas sabíamos que a flexibilização faria com que o número de casos aumentasse. É importante que se diga também que temos testado muito, e isso é o que faz com que tenhamos tantos casos. E a tendência é o crescimento geométrico. A cada sete dias, o número de casos poderá duplicar. Ou seja, precisamos manter o distanciamento social e tomar todos os cuidados possíveis.

Qual é o maior receio para o sistema de saúde local com a pandemia? E do Secretário? E do Prefeito?

Nosso receio é o mesmo: que tenhamos um grande número de pacientes para atender ao mesmo tempo. Por isso temos que fazer o monitoramento de dados diariamente, ou melhor, a cada turno, verificando todos os pacientes que internam na UPA e no Tacchini, pois estes são os dados que irão balizar as decisões futuras. Teremos parâmetros, sendo o primeiro, ocupação de UTI, o segundo, ocupação de leitos clínicos, e terceiro, quantidade de pacientes atendidos por dia e contaminados. Se conseguirmos depurar estes dados, conseguir uma previsão de quantos pacientes estão internando por dia, temos como imaginar o que fazer daqui 10 dias, 15 dias.

Como o senhor avalia o desempenho do prefeito Pasin no combate ao coronavírus?

Ele está sendo, como mencionado, nosso grande maestro. Todo aprendizado que adquiriu neste tempo como Prefeito, os desgastes, os erros, os acertos, as experiências, absolutamente tudo está sendo útil neste momento. O melhor é que ele está extremamente alinhado com o sistema de saúde. Se ele não estivesse, estaríamos fazendo metade do que estamos. Todos estamos sujeitos a errar, mas se errarmos, foi tentando acertar. Desde fevereiro não ficamos um dia sequer sem trabalhar. Tenho certeza de que este é o melhor momento profissional dele. E ele está sabendo utilizar todo seu engajamento, seu conhecimento e sua liderança com muita maestria. Sua experiência está sendo fundamental.

Bento Gonçalves está com mais de cem casos, ao passo que Caxias do Sul está com metade. Por que essa discrepância?

Testamos muito. Batemos nesta tecla desde que o problema chegou aqui. Recebemos mil testes com ajuda do Judiciário, compramos mil, recebemos mais 1660 do Governo. Realizamos cerca de 30 exames de PCR (proteína C reativa, exame considerado padrão ouro no diagnóstico da COVID-19) por dia, em parceria com o Hospital Tacchini. A diferença é essa. Precisamos e queremos testar, mesmo que os resultados não sejam os que gostaríamos.

A população de Bento está tomando os cuidados necessários? O que mais ela pode fazer?

Nossa comunidade demonstrou um sacrifício muito grande no primeiro momento, em que foi determinado o isolamento e o distanciamento social. A abertura gradual fez com que o movimento aumentasse muito. O ideal seria que não tivéssemos toda essa movimentação. Se não mantivermos essa etiqueta sanitária, vai aumentar a velocidade de contágio. Mas é importante que se diga que nenhum Decreto é eterno. Se os casos aumentarem e não tivermos capacidade de atendimento, poderemos voltar atrás, com regras mais restritivas.

O senhor defende o “fica em casa”, o “fica em casa se puder” ou o “saia de casa, trabalhe, mas tenha cuidado”?

Hoje sou do “fique em casa se puder”. Já defendi o fique em casa e, muito provavelmente, mudarei de opinião nos próximos dias. Se diminuir, vamos flexibilizar. Se aumentar, vamos restringir.

O que os especialistas de Bento Gonçalves enxergam a curto, médio e longo prazo como reflexos desta pandemia? Há medo de quebradeira nas empresas?

Sim, há muito medo. Os dados mostram a recessão no Brasil e no mundo. Temos que entender que Bento Gonçalves não é uma ilha. A crise mundial vai afetar não somente as cidades, mas as empresas que não estiverem bem estruturadas. Não existe uma briga de economia versus saúde. Precisamos entender isso. A saúde trabalha com dados técnicos e temos que analisar todos os cenários. Mas o povo de Bento é trabalhador. Tenho certeza que vai passar por essa muito mais rápido do que inúmeras outras cidades.

Quanto, em reais, os empresários destinaram à obra da UPA e qual a importância dessa ajuda?

Olha, creio que no total, tenha passado de R$ 1 milhão. Quanto à importância… imensurável. Conseguimos erguer em tempo recorde algo que não conseguiríamos fazer na velocidade do serviço público. A comunidade, capitaneada pela classe empresarial, conseguiu juntar recursos para uma obra que considero a maior da história. Não podemos deixar de agradecer aos empresários, aos voluntários, enfim, a todos os que doaram se tempo, sua energia, seu suor. Se não houvesse esse engajamento, não teríamos conseguido. E a folga de 30 dias na ocupação dos leitos, na velocidade do contágio, se deu graças a agilidade deste grupo.

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Enquanto a população aguarda para que tudo volte a ser como era antes, as autoridades dizem que nada será como antes. Qual a sua visão a respeito?

Vamos precisar ter mais cuidados, mudar nossos hábitos culturais. Precisaremos seguir orientações sanitárias. Uma gripe não vai mais ser uma doença comum. Entenderemos que as doenças contagiosas são graves. Antes, estar no trabalho com gripe, sair na rua assim, era algo que se tinha como normal. Nos orgulhávamos de trabalhar gripados, muitas vezes com febre. Hoje, se uma pessoa for resfriada para o trabalho, ela vai ser praticamente expulsa pelos colegas. Vamos ter que reaprender. Tem o lado triste, da tragédia, mas assim como em todas as guerras, aprendemos muito. O sistema de saúde vai ser mais valorizado. Antes, era prioridade somente no discurso. Hoje, no mundo inteiro, é 100%.

Muitos pais pedindo a volta às aulas, enquanto outros imploram a manutenção da quarentena. Qual sua opinião, inclusive sobre a polêmica “volta aos treinos” do Esportivo?

Os dados é que vão nos dizer. Hoje sou favorável à manutenção do fechamento das escolas. Com a reabertura, perderemos o controle, porque a grande maioria não terá sintomas. Proibimos os esportes coletivos, mas muitas pessoas estão andando desnecessariamente pelas ruas. Temos que restringir.

Ao que o senhor atribui a queda no número de atendimentos na saúde, desde a chegada da pandemia em Bento?

A queda chegou a 80% dentro dos atendimentos de urgência e emergência. Hoje estamos atendendo cerca de 50% de um dia normal. Vemos que só está indo quem realmente precisa. E é importante que se diga que a UPA não tinha a função de atender casos que não fossem de urgência e emergência. Hoje é isso que está acontecendo, por isso a redução. Como explicar? Não sei… Medo, falta de transporte. Também tinha aquele que ia na segunda-feira para pegar atestado. Segunda era o dia de maior demanda. Não estão indo mais. A queda nos atendimentos, para nós, foi uma grande surpresa.

O que ainda precisa melhorar na área da saúde em Bento e nos repasses municipais, estaduais e federais. Quais são os maiores problemas de saúde pública no Município?

O que nos falta é a credibilidade do Governo Estadual na manutenção dos pagamentos. Também temos problemas com as políticas públicas federais, porque elas interferem no planejamento dos municípios. Outro grande problema, creio que o maior, é a defasagem nos pagamentos da Tabela SUS. São 15 anos sem aumento. Os médicos estão recebendo R$ 10 por uma consulta.

Como estão as condições de saúde dos nossos bairros carentes?

Temos dificuldades naturais dos bairros carentes. São pessoas mais dependentes do Estado, então é natural essa dificuldade maior. Nestes locais as pessoas dependem de uma educação pública, saúde pública e assistência social. É necessário atrelar diversas políticas públicas para melhorarmos todas as condições, mas é importante salientar que estamos muito melhores do que a maioria das cidades. Não faltam remédios, não faltam médicos. Existem dificuldades, sim, mas conseguimos contornar todas elas, com muito trabalho.

Quais são as maiores carências na saúde? Material, mão-de-obra, valorização?

O problema é a velocidade do setor público. A burocracia emperra a adoção de políticas necessárias em alguns momentos. Faltam médicos, há muita rotatividade de funcionários. Creio que a médio prazo isso deverá ser resolvido.

O senhor se sente seguro e protegido em Bento? Como vê o processo de sucessão de Pasin no cenário atual? Deixou de ser candidato? Por quê?

Se me sinto seguro em Bento, sim. Muito mais do que em qualquer outra cidade do Brasil. Mas o foco agora é o coronavírus. Se não estivermos focados, a chance de errar será muito grande. Quanto à sucessão, só acho que tem que ser natural.

Que Brasil o senhor almeja para os jovens e para as crianças? Como chegar lá?

Um Brasil com menos instabilidade política e com modernização nos setores públicos para melhorar naturalmente a vida das pessoas. Tivemos um grande exemplo de participação comunitária na construção do hospital. Se conseguimos fazer em poucos dias, acho sim que vai melhorar.

No que se resume seu lazer: culinária, atividade física, condições de saúde. Se puder, dê algumas dicas.

Meu lazer se resume em ficar com a família. Meu tempo livre está muito pequeno. Sempre gostei de um churrasco com amigos, de ir para a beira do rio, de ler, assistir filmes. Sou um sujeito normal, que hoje dedica à família seu pouco tempo fora do trabalho.

Crédito: Arquivo Pessoal