Dados do Ministério da Saúde apontam preocupante retração nos índices de cobertura vacinal no Brasil. Em Bento Gonçalves, números também mostram declínio na aplicação de doses
Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado um desafio crescente relacionado à queda na cobertura vacinal. Dados do Ministério da Saúde apontam que, em diversas regiões do país, o percentual de pessoas vacinadas tem diminuído, o que representa um sério risco para a saúde pública. A queda na cobertura vacinal é observada em diferentes faixas etárias e para diversas vacinas, incluindo aquelas que protegem contra doenças como sarampo, poliomielite e hepatite. Esse fenômeno levanta preocupações entre as autoridades de saúde, que alertam para os riscos de um possível ressurgimento de doenças que já estavam controladas.
Em Bento Gonçalves, conforme dados obtidos junto ao Ministério da Saúde, do período de 2014 a 2022, as taxas de cobertura vacinal apresentaram quedas significativas. Esse declínio pode ser atribuído a diversos fatores, incluindo a disseminação de informações falsas sobre vacinas, que têm gerado dúvidas e inseguranças na população. Além disso, mudanças no comportamento das pessoas, como o aumento da desconfiança em relação às vacinas e a falta de acesso a serviços de saúde, também têm contribuído para essa queda preocupante.
Para se ter uma dimensão da complexa situação na Capital Nacional do Vinho, em 2014, a cobertura vacinal contra a poliomielite chegava a 107,89%. Em 2022, o índice não alcançou 86% do público-alvo. Números semelhantes também são encontrados nos imunizantes para BCG, Rotavírus, Meningocócica, Hepatite B, Pentavalente, Penumocócica, DTP e Tríplice Bacteriana. Apenas a vacina da Febre Amarela que apresentou aumento nas aplicações, passando de 60,38% para 65,22% no período.
Conforme a coordenadora do Setor de Imunizações, Luiza do Rosário, houve mudança no comportamento das famílias, quando se fala sobre a vacinação. Segundo ela, antigamente, a procura pelos imunizantes partia dos pais ou responsáveis. Hoje em dia, são as equipes de saúde que precisam, seguidamente, orientar sobre a necessidade de manter o caderno vacinal em dia. “Antigamente, não precisávamos buscar as crianças e pais para vacinação, e hoje precisamos fazer a busca e reforçar a importância desse calendário de imunização que conta com as vacinas contra polio, BCG, sarampo, varicela, hepatite e outras doenças”, revela.
Luiza acredita que a disseminação de fake news sobre a eficácia das vacinas é um dos diversos fatores que influenciam na queda de aplicação dos imunizantes. “As notícias falsas são um dos fatores que atrapalham e muito. Precisamos reforçar a importância que a imunização tem para saúde das crianças e para erradicação de doenças”, ressalta.
Entre as ações propostas pelo Setor de Imunizações do município está a realização de busca ativa pelas unidades de saúde. Além disso, programas direcionados aos recém nascidos possibilitam que as vacinas sejam aplicadas dentro do calendário. “Temos o programa ‘Acompanha Bebê’, onde crianças até dois anos têm acompanhamento mensal inclusive de vacinas que integram o calendário de imunização. Uma vez por ano vamos em algumas escolas para verificação de cadernetas e vacinação, se necessário em adolescentes”, explica.
Melhorar a compreensão da população pode ajudar a retomar elevação nos índices, afirma sociólogo
Conforme o sociólogo, Renato Zanella Filho, existem várias razões pelas quais algumas pessoas podem ter dúvidas ou não acreditar na vacinação nos dias atuais. Alguns motivos comuns incluem a disseminação de informações falsas ou incorretas sobre vacinas pode gerar desconfiança. “Essa desinformação muitas vezes é compartilhada nas redes sociais e pode dificultar que as pessoas tomem decisões informadas sobre a vacinação”, garante.
Outro ponto indicado por Zanella é a questão do medo por possíveis efeitos colaterais. A falta de compreensão sobre doenças preveníveis também é apontada pelo sociólogo como indicador. “Em alguns casos, as pessoas podem não entender plenamente a gravidade das doenças que podem ser prevenidas por meio da vacinação. Isso pode levar à subestimação dos riscos associados à não vacinação”, pontua.
Assim como outros profissionais entrevistados, Zanella afirma ainda que a queda nos índices vacinais também é provocada pela desconfiança em autoridades de saúde e pelo crescimento dos chamados grupos “antivacinas”. “Isso pode ocorrer devido a históricos de falta de transparência, falhas na comunicação ou percepção de interesses conflitantes. Além disso, grupos antivacinação têm promovido informações contrárias à imunização, muitas vezes baseadas em teorias da conspiração, medo infundado ou dados não científicos. Essas campanhas podem causar dúvidas e descrença na vacinação”, afirma.
“Toda composição de uma nova vacina é baseada em um estudo científico sério”, afirma infectologista
As consequências da baixa cobertura vacinal podem ser graves, especialmente para grupos mais vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas. A vacinação é uma das medidas mais eficazes para prevenir doenças infecciosas e proteger a comunidade como um todo.
De acordo com a médica infectologista do Hospital Tacchini, Isabele Berti, as consequências da não imunização podem gerar o ressurgimento de doenças até então erradicadas no Brasil. “Uma delas é o ressurgimento de doenças preveníveis por vacinação, como sarampo, poliomielite, rubéola, caxumba, coqueluche e outras. Isso pode levar ao aumento de surtos epidêmicos, especialmente em comunidades onde a imunização é baixa”, explica.
Conforme a médica, doenças evitáveis por vacinação podem causar complicações graves, hospitalizações e até mortes, especialmente em grupos vulneráveis como crianças, idosos e pessoas com sistemas imunológicos comprometidos. “Surtos agudos de doenças infecciosas, como tivemos com a Covid-19, ainda podem causar prejuízos sociais, econômicos e educacionais, levando ao isolamento social, fechamento de escolas e interrupção de diversas atividades”, alerta.
A médica acredita que as principais causas pelo atual cenário são decorrentes da desconfiança de parte da população deve-se a uma série de fatores, entre eles, a própria evolução da medicina. “Toda composição de uma nova vacina é baseada em um estudo científico sério, que leva em conta diversos dados para garantir a eficácia do imunizante, que é testado à exaustão e segue diversos protocolos de segurança, eficácia e eficiência antes de ser colocado no mercado”, explica.
Ainda, segundo Isabele, as pesquisas não possuem prazo pré-determinado, podendo, inclusive, ultrapassar uma década. “Hoje, a medicina avançou de tal forma que, em parceria com institutos de pesquisa como o ITPS, do Tacchini, é possível alcançar os mesmos resultados em poucos anos. No caso da Covid-19, por exemplo, todo o mundo se mobilizou para encontrar uma solução, que foi desenvolvida em tempo recorde”, afirma.
Apesar dessa evolução, a médica observa que isso pode gerar desconfianças no público leigo, que não conhece de perto o trabalho e a seriedade empregados durante o desenvolvimento da vacina.
Isabele garante que a retomada de índices elevados de cobertura vacinal só poderá ser alcançada por meio de educação e consciência da sociedade. “É fundamental esclarecer à população sobre a importância da vacinação e fornecer informações precisas sobre os benefícios das vacinas para a saúde individual e coletiva”, enfatiza.
Fake News e pouca divulgação, atrapalham elevação de índices
Em uma enquete realizada nas redes sociais do Jornal Semanário, 80% dos participantes confirmaram que estão em dia e 10% não com suas vacinas. Outros 10% indicam não saberem. O levantamento pediu ainda se as chamadas fake news influenciaram a derrubar os índices de cobertura vacinal. Dos entrevistados, 72% acreditam que sim, 22% talvez e apenas 6% negam interferência.
No entanto, os entrevistados também apontam que há pouca divulgação nas campanhas vacinais de Bento Gonçalves. Pelo menos 43% afirmam que há pouca comunicação sobre o assunto, enquanto 29% garantem que há e 29% não souberam responder.
De acordo com o sociólogo, entre as maneiras de evitar que índices caiam ainda mais, é importante combater a desconfiança nas vacinas por meio de uma comunicação clara, baseada em evidências científicas e confiável. “Educadores, profissionais de saúde e líderes comunitários desempenham um papel fundamental na promoção da importância da vacinação e na resposta a preocupações legítimas das pessoas. É importante investir em estratégias de conscientização, disseminação de informações precisas e construção de confiança para garantir altas taxas de vacinação e proteger a saúde pública”, indica.
Números da vacinação melhoram em 2023
Informações do Ministério da Saúde dão conta de que cobertura vacinal entre crianças parou de cair no ano passado. De acordo com a pasta, os números ainda são preliminares, mas a tendência é que a cobertura registre novo aumento.
Conforme a pasta, houve melhora dos índices vacinais para a DTP em todas as unidades da federação. Além disso, 26 unidades federativas aumentaram a cobertura contra a poliomielite e da primeira dose da tríplice viral. Também 24 estados tiveram alta na cobertura contra a hepatite A, meningocócica e segunda dose de tríplice viral; e 23 melhoraram a cobertura da vacina pneumocócica. Das oito vacinas recomendadas em um ano de idade, sete apresentaram aumento das suas coberturas vacinais em 2023.