O luto normal, cujas emoções decorrem de um rompimento com algo ou alguém que se deseja preservar, envolve uma ampla esfera de sentimentos e comportamentos comuns e mesmo esperados, considerando que o contexto coloca à prova o ser humano em relação à finitude da vida. A perda pode ser caracterizada pelo processo que ocorre após uma morte, enquanto o luto tem sido vislumbrado, por diferentes pesquisadores, como um processo essencialmente em estágios, fases e tarefas. Como área de pesquisa e intervenção, no Brasil, os estudos relacionados ao luto têm sido desenvolvidos recentemente, diferentemente dos países do hemisfério norte e naqueles de língua inglesa. Contudo, fontes de pesquisa específicas da área das perdas entendem o luto, semelhantemente, como uma reação natural diante do rompimento de uma relação significativa, apresentando impacto sobre o indivíduo e a família e, muitas vezes, estendendo-se a longo prazo. Por tais razões, torna-se fundamental avaliar adequadamente o choque sofrido em função da perda, a fim de que sejam identificadas as medidas de intervenção a serem propostas.

Tem-se encontrado, mais recentemente, fundamento na concepção teórica de um novo modelo para a compreensão dos fenômenos decorrentes do processo de luto, com respaldo tanto na pesquisa quanto na prática clínica. O Modelo do Processo Dual questiona aspectos visualizados como ultrapassados nas teorias tradicionais que propõem formas de resolução eficientes frente ao luto. Nele, existem dois tipos de fatores estressores, sendo um orientado para a perda e o outro direcionado à restauração, considerando a existência de um processo dinâmico e regulador do enfrentamento, pela oscilação por meio da qual o enlutado pode às vezes confrontar, às vezes evitar as diferentes tarefas do luto. Deste modo, propõe-se que o enfrentamento adaptativo do luto encontra-se amparado pela confrontação/evitação da perda, concomitante às necessidades de restauração. Isto significa que há momentos em que a expressão do pesar é fundamental diante do grau de estresse gerado pela perda, mas também há períodosem que é preciso existir um movimento direcionado à continuidade da vida e ao reinvestimento nas demais relações.

Cada enlutado apresentaumtempoindividual para atravessar a dor da perda. Então, pouco é eficiente considerar a temporalidade no contexto específico de um, dois, três meses, por exemplo, quando o processo de luto se trata, sobretudo, das maneiras como cada enlutado dispõe para enfrentar as perdas da vida durante um tempo fundamentalmente singular. O mais importante é que o enlutado se sinta confortável ou, ao menos, num grau menor de estresse para poder dar os primeiros passos rumo ao desligamento e, neste contexto, poder entrar em contato com os pertences ou fotos da pessoa que sente saudade, e mesmo conseguir ir a lugares que a lembre, de modo a não mobilizar-se como inicialmente.É difícil, portanto, afirmar que um luto se encerra. Afinal, o amor é parte da memória e aqueles a quem se ama serão sempre lembrados dentro de nós. Os enlutados, ao longo de um tempo individual, encontrarão modos de lidar com as emoções e sensações provindas da perda, bem como desenvolverão estratégias para continuar a caminhada da vida. Cada pessoa tem a capacidade de crescer, evoluir da dor, ampliar-se e alargar-se para novas formas de viver, podendo encontrar diferentes estratégias de enfrentamento diante das perdas da vida.

Franciele Sassi, Psicóloga Especialista em Teoria, Pesquisa e Intervenção em Luto e Perdas