Foi há duas semanas. Dez e trinta de uma manhã movimentada e abafadiça, com pessoas por todo lado que nem baratas tontas, carregando sacolas atulhadas de presentes natalinos, com lembrancinhas para amigo secreto ou coisas do gênero. Esta é uma das datas que nos deixam fora de órbita. É como se saíssemos do próprio eixo e passássemos a transladar em torno do comércio, sempre convidativo e sedutor, até suplicante neste segundo ano pandêmico – teve um dia em que fui convocada a entrar num estabelecimento comercial e quase me pagaram para eu levar o produto.

Então se apresentou a cena mais comovente e doce e mágica e incrível e transcendente… Um jovem pai e seu filho, de uns sete ou oito anos bem nutridos, passavam pela rua quando se depararam com um sujeito “invisível”, daqueles que incomodam muita gente por forçar a uma atitude: ver e nada fazer ou fingir não ver. Ele estava sentado na calçada, aproveitando a sombrinha da aba de um conglomerado de lojas. Era magro, barbudo, mal vestido, silencioso, olhar faminto…

Provavelmente o menino pedira algo para comer, porque seu pai saiu da padaria da esquina com três pastéis fritos ou assados, de bom tamanho. Nada demais! Criança não mede calorias. O surpreendente aconteceu em seguida. O pai e o filho se sentaram ao lado do homem, no chão mesmo e os três passaram a comer, conversando animadamente, sem câmeras filmando, nem rádio, nem TV, nem nada. Tudo natural e espontâneo.

Aquela ação não aplacou, momentaneamente, apenas a fome do homem, mas também a solidão. O gesto abriu uma porta e mostrou o ser humano fragilizado que um dia também teve sonhos, o ser que sofre e que vive o abandono, mas que tem uma história que o levou a isso – certamente problemas econômicos talvez derivados de problemas psicológicos, desajuste social, ou consequência do uso de drogas e álcool… Ele não está aí porque quer. Ele não tem para onde ir. 

Não sei como terminou o encontro, mas de uma coisa tenho a certeza. O Natal aconteceu naquele momento, em frente à loja Pompeia, sem brilhos, sem músicas, sem alarde, com uma ceia frugal compartilhada à luz do dia, no chão.  Os quatro, numa alegria infantil explícita.

Ah! Quem era o quarto? Você sabe! O aniversariante do mês…

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Um Feliz e Abençoado Natal, e que possamos nos encontrar no ano que vem.