Reportagem aborda a relação entre o número de novas empresas em funcionamento em Bento Gonçalves com o cenário de empregos formais

Ao mesmo tempo em que cresceu o número de pessoas desempregadas em Bento Gonçalves no período de recessão econômica, cresceu também a quantidade de empresas abertas no município. Por um lado, a questão é vista como positiva, como uma tendência de mercado, pela Prefeitura. Por outro, o presidente da OAB aponta que o cenário significa precarização do trabalho.
Segundo informações da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, a taxa de desocupação no município gira em torno de 3%, enquanto foram abertas 804 empresas. A estimativa também demonstra que das 804 empresas, abertas, mais de 400 são registros de Microempreendedor Individual (MEI).
De acordo com o secretário Sílvio Pasin, se analisar o número de pessoas que estão deixando de ter carteira assinada, com relação ao número de empresas abertas, no mesmo período, um zera o outro. “Ele está deixando de trabalhar de carteira assinada, por várias questões, como estrutura, contrato com o empregador ou modernização das empresas. Mas isso não quer dizer que ele esteja fora do mercado de trabalho”, avalia.
Pasin ainda entende que o cenário representa uma tendência de mercado, na medida em que o custo para manter um funcionário, para os empresários, é muito alto. “Os trabalhadores perdem os direitos trabalhistas, como o FGTS e o seguro-desemprego. Mesmo assim, permanece a garantia do INSS”, afirma.
O secretário aponta que pelo menos metade dos novos MEIs corresponde à prestação de serviços, no turismo ou em outras áreas. “Eles podem ser contratados em momentos específicos, conforme a necessidade”, explica.
Na sua opinião, os direitos trabalhistas, que serviriam para auxiliar os trabalhadores, apenas prejudicaram. “Tenho certeza que muitos deles acabaram sobrecarregando as empresas em termos de tributos”, considera. Pasin salienta que o modelo com MEIs tem funcionado em várias economias do mundo.

Busca por qualificação

O Poder Público também constata que a busca por auxílio na hora de abrir e gerir uma empresa também tem aumentado. De acordo com Pasin, o volume de atendimento no Sebare tem aumentado. “Como eles já vêm para fazer a inscrição do MEI, a gente orienta para buscarem o Sebrae e se prepararem adequadamente”, comenta.
De acordo com o secretário, estamos passando por uma mudança no cenário econômico, que é visível de maneira mais forte na região, mas que ocorre em todo Brasil. “A tendência é que cada vez mais aconteça esse tipo de coisa, a indústria 4.0 vai gerar esse tipo de comportamento”, avalia.

Da flexibilização à precarização

Para a coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), professora Lodonha Coimbra Soares, a tendência de abertura de novos MEIs responde à crise do mercado de trabalho. “Existe uma relação direta. É uma forma que eles encontram de se reinserir no mercado de trabalho e manter a renda de forma regularizada”, pontua.
Contudo, Lodonha coloca que ainda não há pesquisa que relacione esse cenário com a reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro do ano passado. “Nós sabemos que com a flexibilização (proporcionada pela reforma) há a tendência de fechamento de postos de trabalho, mas não podemos afirmar que há uma ligação direta, então não sabemos se é um reflexo ”, analisa.
Ela afirma que o MEI foi criado justamente para facilitar a vida das pessoas que buscam uma atividade nos pequenos serviços. Sendo assim, uma variável que Lodonha considera é de que o número de MEIs pode ter crescido em função da busca pela formalização da atividade laboral. “Acontece que muitos já existiam de maneira informal. Isso dá garantia de direitos para o trabalhador, como o INSS”, avalia.
O presidente da subseção de Bento Gonçalves da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cleber Dalla Colletta, entende que a substituição do trabalhador por microempresário individual é precarização, já que a lógica funciona como uma espécie de terceirização. “É mais barato ter um terceirizado, que emite uma nota, do que ter que recolher as parcelas previdenciárias e os tributos da folha de pagamento sobre ele. Se emite uma nota fiscal, o empresário já está pagando o serviço com a nota fiscal. Nesse caso, quem recolhe o imposto é o próprio terceirizado. Assim que funciona a lógica perversa da reforma trabalhista”, argumenta.
Ele acredita que a questão econômica conjuntural levou à reforma trabalhista. “Não se teve oportunidade de discutir o que ia ser mudado. A reforma trabalhista foi feita em três meses. Entra toda a problemática de como se deu esse processo”, afirma.