Com a lei sancionada, especialistas em educação e diretoras comentam os benefícios da medida
Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou o projeto de lei que proíbe o uso de celulares nas escolas, a volta às aulas em 2025 tem sido diferente e gerado dúvidas entre pais, alunos e professores.
O texto aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro do ano passado determina que aparelhos eletrônicos ficam proibidos nas escolas públicas e privadas. O objetivo, segundo o PL 4.932/2024, é proteger a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes.
Para a coordenadora do Curso de Pedagogia da Universidade de Caxias do Sul – Campus Bento Gonçalves (UCS/CARVI), Silvia Hauser Farina, o objetivo dessa regulamentação é equilibrar o uso da tecnologia no ambiente escolar sem prejudicar a proposta pedagógica das instituições. “Entendemos que a tecnologia faz parte da realidade educacional e, se bem aplicada, pode ser aliada do aprendizado. A lei estabelece limites, mas permite a utilização para fins pedagógicos, o que mantém a autonomia das escolas nesse aspecto”, explica.
Mudanças
A legislação determina que os estudantes da Educação Básica não poderão utilizar aparelhos eletrônicos portáteis pessoais dentro das salas de aula e demais espaços onde ocorrem atividades pedagógicas, exceto para fins estritamente didáticos e quando houver autorização do professor. O uso também está proibido na hora do recreio, salvo em situações excepcionais, como casos de emergência, necessidade médica ou para garantir acessibilidade a alunos com deficiência.
Silvia frisa que a lei visa preservar a saúde mental e a concentração dos estudantes, mas não impede o uso pedagógico da tecnologia. “A norma reforça a importância da presença ativa dos alunos no ambiente escolar e busca minimizar os impactos negativos do uso excessivo de telas. No entanto, é fundamental que as escolas compreendam que a legislação não elimina a possibilidade de utilizar ferramentas digitais para aprimorar a experiência de ensino, desde que dentro dos critérios estabelecidos”, explica.
É necessário que as instituições atualizem seus regimentos para se adequarem à nova legislação, esclarecendo aos pais, alunos e professores as regras sobre o uso de aparelhos eletrônicos no ambiente escolar. As escolas podem, ainda, realizar ações de conscientização sobre o impacto do uso excessivo de telas na aprendizagem e no desenvolvimento dos estudantes.
Outro ponto relevante é a obrigatoriedade das escolas implementarem estratégias para promover o bem-estar emocional dos alunos, conforme previsto na nova legislação. “As instituições de ensino precisarão desenvolver ações para prevenir problemas relacionados ao uso abusivo da tecnologia e ao sofrimento psíquico dos estudantes. Isso inclui capacitação dos profissionais da educação, criação de espaços de acolhimento e reforço da comunicação com as famílias”, destaca.
Adaptação em Bento
Desde o ano passado, algumas escolas de Bento Gonçalves têm implementado a proibição do uso de celulares. A medida tem gerado impactos no ambiente escolar, alterando dinâmicas de ensino e a interação dos estudantes. No Colégio Scalabriniano Medianeira, a adoção da norma foi planejada e implementada com um forte embasamento pedagógico e apoio das famílias.
A Irmã Isaura Paviani, diretora do Colégio Scalabriniano Medianeira, explicou que a decisão seguiu a orientação da Educação Scalabriniana Integrada (ESI), com sede em São Paulo. “Estudamos a lei, analisamos os benefícios e buscamos referências teóricas para fundamentar a mudança. Um dos livros que utilizamos foi ‘A Fábrica de Cretinos Digitais’, do neurocientista Michel Desmurget, que alerta para os impactos negativos do excesso de telas no desenvolvimento cognitivo das crianças e adolescentes”, afirmou.
A medida foi comunicada aos pais em reuniões realizadas nos dias 12, 13 e 14 de fevereiro. O colégio definiu que não se responsabilizaria pelos aparelhos e estabeleceu sanções para o descumprimento da regra. “Caso um aluno seja flagrado utilizando o celular, ele deve entregar o aparelho ao professor ou à coordenação, onde ficará retido por 48 horas. Além disso, o estudante recebe um dia de suspensão”, detalhou a diretora.
Antes da proibição, a escola já adotava medidas para restringir o uso dos celulares, como caixas individuais onde os estudantes depositavam os aparelhos no início das aulas. No entanto, essa estratégia não impedia que os alunos acessassem os dispositivos em outros momentos, como no recreio. “A observação pedagógica revelou que o uso excessivo de telas comprometia o aprendizado e aumentava a ansiedade dos estudantes. Agora não é permitido também no recreio”, afirma a diretora.
Para garantir que a tecnologia continue sendo utilizada de forma pedagógica, o colégio investiu em recursos como a sala Innovation, onde alunos a partir do terceiro ano aprendem programação e robótica, e um laboratório com 41 computadores. “Não se trata de proibir a tecnologia, mas de garantir que ela seja utilizada de maneira produtiva”, ressalta.
A recepção da medida pelos pais tem sido, em geral, positiva. No entanto, houve casos de famílias que manifestaram preocupações, especialmente em relação à segurança dos filhos no trajeto escolar. “Entendemos essa questão e orientamos os pais sobre a importância de estabelecer limites para o uso do celular. A responsabilidade da escola se estende a 100 metros além do prédio, e temos um seguro escolar para qualquer eventualidade”, explica.
Martina Calcagnotto Mattiello, estudante do quinto ano no Colégio Scalabriniano Medianeira reforça que acha importante a medida. “Os alunos prestam mais atenção na aula do que nos celulares e também ficar sempre olhando para telas por muito tempo pode prejudicar o aluno”, comenta.
Outras escolas da cidade também estão se adaptando à norma. Silvania Luiza Chiarello, diretora do Colégio Estadual Dona Isabel salienta que o celular é uma ferramenta maravilhosa, desde que usado com parcimônia e de forma inteligente, para que possa contribuir com a aprendizagem. “Contudo, o uso indiscriminado levou uma geração de crianças à alienação, encaminhando esses jovens para um embate com professores, pais ou qualquer pessoa que os proibisse de usá-lo. Aqui, todo o trabalho sempre foi encaminhado para o uso pedagógico, mas perdíamos espaço diariamente para o celular, uma vez que o aluno passa pouco tempo na escola e, fora dela, parece que a vida se resume à telinha”, afirma.
No início deste ano letivo, a escola vem cumprindo a lei, proibindo o celular no espaço escolar. “O aparelho fica desligado, na mochila. Caso o aluno insista em usá-lo, os responsáveis serão chamados para retirar o celular junto à equipe Diretiva”, reforça Silvania.
No Colégio Estadual Dona Isabel a tecnologia também é valorizada de forma pedagógica. “O Colégio conta com Rede de internet, Chromebooks, Laboratório de Informática e datashows. O uso pedagógico das metodologias ativas não é novidade. O celular é apenas mais um aparelho, cujo uso será substituído por outros, com orientação adequada”, afirma a diretora.
Para casos de necessidade, o Colégio disponibiliza seus telefones, através dos quais os responsáveis podem entrar em contato. “Quando o período de aula encerra, os celulares podem ser usados normalmente. Não vemos como isso pode prejudicar ou colocar em risco a segurança do aluno. O celular estará desligado durante o período de aula, momento em que a atenção à explicação do professor e a interação com a turma é essencial”, complementa.
Já Aline Rocha, supervisora escolar da E.E. de Ensino Médio Imaculada Conceição conta que os desafios estão sendo os de conscientização em relação ao mau uso do aparelho, assim como a dependência do mesmo principalmente por parte dos adolescentes. “Houve resistência por parte de alguns alunos em deixar seu aparelho guardado dentro da caixa de madeira com cadeado que foi mandada fazer pela equipe diretiva da escola, para garantir a segurança de todos os aparelhos eletrônicos dos estudantes. Os professores, equipe administrativa e pedagógica estão empenhadas durante essas primeiras semanas em favor do cumprimento da lei”, destaca.
Segundo ela, uma melhora já foi sentida com a medida. “Percebemos melhora na concentração da maioria dos estudantes na sala de aula e durante o intervalo eles interagem muito mais uns com os outros. A escola também está proporcionando novas estratégias para a hora do intervalo, como jogos e músicas”, pontua.
Ela destaca que a escola é bem estruturada em termos de tecnologia e que o celular pode vir a ser usado para fins pedagógicos. “Quando for de uso estritamente pedagógico o professor poderá avisar antecipadamente a equipe pedagógica e aos alunos e fazer uso do aparelho celular se for muito necessário e importante para o desenvolvimento de alguma proposta pedagógica. E em casos de emergência cada caso será analisado criteriosamente pela equipe diretiva”, frisa.