Desde a Constituição Federal de 1988, há 25 anos, portanto, o país conta com um sistema de proteção social que tem como prerrogativa o direito universal à saúde para todo o cidadão, independente de contribuição direta ou de qualquer outra exigência, exceto ser cidadão. A determinação, conquistada à base de grandes debates nacionais e mobilizações amplas e transversais da sociedade brasileira, pressupõe que é dever do Estado garantir satisfatoriamente o acesso da população a mecanismos que respondam a suas necessidades básicas, entre elas o atendimento à saúde.

Infelizmente, nem sempre a prática corresponde ao que está impresso na Carta Magna nacional. Em Bento Gonçalves, o acesso à saúde pública, que enfrenta problemas históricos, não avança. Ao contrário, o que se vê nestes oito meses de governo é a deterioração de um sistema que já enfrentava problemas por sua precariedade. Em pleno Século XXI, ainda é dramática a realidade de boa parte da população, que se angustia na infindável espera por atendimento, na peregrinação por vagas para internação ou por um simples posto de saúde mais próximo de sua casa, na angústia da cirurgia cada vez mais distante.

Não bastassem os problemas estruturais, agora muitos pacientes voltam a reclamar da falta de medicamentos na rede pública de saúde. Em muitos casos, os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) não estão encontrando nem mesmo os medicamentos básicos de uso contínuo nas unidades básicas. Na lista de reclamações estão medicamentos para quem faz tratamento com quimioterapia, insulina para diabetes, remédios para déficit de atenção e para hipertensão. Mas também não há a distribuição regular, em muitos locais, de remédios bem mais prosaicos, como o paracetamol.

Para a Secretaria Municipal de Saúde, a falta desses medicamentos não teria relação com uma eventual falha nas solicitações de compra. O governo garante que há empenhos aguardando a entrega, e alega que algumas empresas estão com dificuldade em fornecer os remédios, atrasando a entrega ou entregando apenas parte da quantidade solicitada. A explicação pode até ser honesta, mas não justifica o descaso. Não custa lembrar aqui que é obrigação do Poder Público encontrar um mecanismo para garantir o fornecimento regular de medicamentos. Portanto, não deve ser normal deixar que eles faltem para quem precisa. Além de atender à demanda do momento, é também preciso criar um sistema que não implique desabastecimento. Não é tarefa externa, há dependência de fatores e atores externos, mas governantes não podem ficar reféns, com prejuízo a quem precisa dos medicamentos.

Segundo a Defensoria Pública, caso a pessoa receba atendimento pelo SUS e não tenha acesso aos medicamentos, ela deve procurar seus direitos. Afinal, todas as pessoas têm o direito constitucional de receber um medicamento gratuitamente do sistema público de saúde. Só de medicamentos de uso continuado, em especial para hipertensos e diabéticos, são milhares de usuários em Bento. O certo é que a distribuição de remédios, um dos programas de maior alcance do SUS, não pode ser prejudicada por entraves que a administração pública sabe que podem acontecer a qualquer momento. A lista de justificativas para os problemas nos estoques vai desde falta de matéria prima nos laboratórios até desinteresse dos fornecedores em participar das licitações. Mas apenas lamentar não adianta: se os entraves são conhecidos e, de certa forma, previsíveis, a administração pública precisa se prevenir.