Missa do Galo, à meia-noite, na igreja mais linda do mundo, cuja entrada triunfal se dava após a subida de uma escadaria celeste.  Tudo o que a menininha, ainda envolta à magia natalina, poderia sonhar. Muito brilho, muitas luzes, muito colorido, muito amor. Aquilo sim era o paraíso!

Extasiada, a alma dela saltitava pelos ramos do pinheirinho deslumbrante e majestoso aos pés do altar, deslizava pelas bolas coloridas, imaginava a surpresa dentro dos embrulhos presos por fios dourados, subia até a estrela mais alta e depois tocava a neve que parecia de verdade…

Mas era tudo de mentira. Foi desta maneira cruel que ela percebeu a hipocrisia que infesta o mundo. Durante a celebração de fé e fraternidade mais importante do cristianismo, duas criaturas divertiam-se às custas de sua aparência singular. “Olha o sapato dela, kkk”. “Olha a saia, kkk, costuraram a toalha de mesa, kkk”. “E o cabelo?! Kkk”. “É uma coloninha, kkk”.

E foram tantos os “kkks” – testemunhados inclusive pelos fiéis mais próximos – que o céu transformou-se de repente no inferno. Ela que entrara com olhos molhados de emoção, saía do templo com a secura da mágoa pregada nas retinas. Uma dor indescritível que ficaria guardada a sete chaves por muitas décadas.

Por que resolvi abrir a Caixa de Pandora depois de tanto tempo, com os prováveis prejuízos já devidamente instalados no sótão do subconsciente? Não é por redenção, libertação, nem mesmo por perdão. O motivo que me leva a este desvelamento é o episódio trágico da última semana, em que um homem invade uma creche em Saudades, matando a facadas duas funcionárias e três crianças. É a reflexão sobre esse quadro de terror que trouxe à tona história tão antiga. Fico me perguntando até que ponto o bullying sofrido pelo jovem, em seu tempo de escola, contribuiu pela ação tresloucada…

É claro que nem todos os agredidos física ou psicologicamente acabam virando assassinos. Mas quantos dos assassinatos teriam deixado de acontecer, se pessoas fragilizadas mentalmente não tivessem sido submetidas a humilhações contínuas?!

Acredito que a escola tem a obrigação moral de combater o bullying, não só para amparar os mais fracos – que já seria um grande motivo – mas também para evitar violências futuras.  As ações precisam envolver agressores e agredidos, as famílias e comunidade escolar. Atividades de humanização e sensibilidade precisam ser incluídas no currículo das escolas com urgência. Ou inocentes poderão pagar o preço.