Após denúncia de abuso de poder no Novo Futuro, especialistas e BM discutem relação das forças de segurança e sociedade

As denúncias de abuso de poder policial no residencial Novo Futuro, bairro Ouro Verde, publicadas no Semanário de sábado, 27 de outubro, também foram comentadas pelo presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Bento Gonçalves e por um professor do Instituto Federal de Educação (IFRS), pós-doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Após as denúncias, ainda não foi agendada uma reunião entre moradores e Brigada Militar (BM). Os relatos envolveram acusações de roubo, agressões físicas e psicológicas, invasão de apartamentos sem ordem judicial, revista de crianças sem justificativa, ameaças de morte, falsificação de provas e oferecimento de drogas em troca de informações.
Do outro lado, o medo da repressão se tornar ainda mais intensa deixa os moradores receosos de revelar seus nomes ou de apresentar denúncia formal aos órgãos de segurança. Uma das principais reclamações dos moradores se refere à invasão de apartamentos sem ordem judicial.
De acordo com o presidente da OAB, Cleber Dalla Colletta, se existir uma situação de flagrante, de possibilidade de haver crime, não é necessária a apresentação de mandato judicial. “Havendo suspeita de ter tráfico, a policia tem que invadir mesmo e fazer a captura de quem quer que seja”, enfatiza.
Ele ainda afirma que o eventual uso da força não pode configurar abuso de poder e que é necessário denúncia, na medida em que há meios de coibir excessos. “Eles têm que fazer um boletim de ocorrência e remeter à Corregodoria da Brigada. Então existem meios de coibir isso”, considera.
Na sua opinião, a maioria das pessoas que moram no Novo Futuro são inocentes, mas o condomínio se transformou em um ambiente propício para o crime. “Muitas vezes está acontecendo crimes e o policial precisa ser enérgico”, afirma.

Violação de Direitos Humanos

Professor do IFRS, Gregório Grisa. Foto: Arquivo Pessoal

Na opinião do professor do IFRS, pós-doutor em sociologia, Gregório Grisa, o Brasil tem uma tradição sistêmica de violação de direitos humanos. “A militarização da polícia é uma herança do regime militar, período em que a tortura e o abuso de poder eram práticas frequentes, em especial na relação das forças de repressão com a população mais pobre. A violência e a arbitrariedade não desapareceram com a redemocratização, mas cresceram com a ineficiência do combate a criminalidade”, avalia.
Para Grisa, parece haver uma naturalização por parte da sociedade de ações policiais que transcendem suas atribuições e se constituem em abuso. “Com isso estou dizendo que há uma espécie de ‘demanda social’ por violência policial, isso ficou claro nos resultados eleitorais e no forte apelo dos discursos punitivistas. A reboque desse pensamento estão os preconceitos históricos do país, o racismo e desprezo as populações periféricas”, comenta.
Especificamente sobre os relatos dos moradores do Novo Futuro, o professor avalia que as condutas descritas vão na contramão pelo que se conhece como melhores práticas na área de segurança pública. “As corporações policiais existem para garantir a segurança pública e os direitos humanos, não o contrário”, enfatiza.

Geração Pós-1988

Comandante do 3º BPAT, major Álvaro Martinelli. Foto: arquivo

O comandante do 3º BPAT, major Álvaro Marinelli, entende que os policiais militares são julgados por um fato que é contado pelos avós e pais, a partir de um estereótipo que se criou nos bancos acadêmicos. “Para mim é inadmissivel. Nós somos geração da Constituição de 88. Nós fomos formados com outra mentalidade que, no passado era voltado pra guerra, para o regime totalitário”, ressalta.
Ele afirma que existe um interesse de afastar a polícia da sociedade, contudo, as duas instituições são indivisíveis. “Nosso policial mora na vila, nao no condominio de luxo. Ele é produto da nossa sociedade. Esse distanciamento que as pessoas tentam inserir não faz sentido, porque a gente só é produto da sociedade”, argumenta.
Ainda segundo Martinelli, a lei se torna muito mais rígida para os policiais militares, que precisam cumpri-la à risca. “Ela exige em dobro, uma conduta mais retilínea ainda. PM que pratica lesão corporal leve, a condenação é de seis anos de prisão ou dois anos em uma espécie de regime semi-aberto. Para vocês (civis) é sacola comunitária, para nós, é punível”, compara. Ele vê isso como uma maneira do próprio Estado regular e disciplinar quem é responsável pela aplicação da lei. “Você não pode ter benesses. Tem um regulamento a ser seguido, se não a gente viveria em um estado de exceção”, afirma.

Moradores denunciam abuso de poder policial no Novo Futuro