Apesar de o rol ter se tornado taxativo, tratamentos para esses casos serão liberados pelos convênios. As advogadas e mães atípicas de crianças autistas, Renata Prina da Silva e Iliene Ferranti Pinheiro Basso, mencionam as dificuldades e o alívio pela nova regra aprovada na quinta-feira, 23 de junho

No início do mês, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou o rol de procedimentos listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para a cobertura dos planos de saúde, de exemplificativo para taxativo. Isso significa que os convênios têm ‘carta branca’ para negar exames, cirurgias e remédios que não constem na lista de procedimentos obrigatórios.

A decisão foi motivo de preocupação para muitas pessoas, incluindo os pais e responsáveis de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A advogada Renata Prina da Silva relata que é uma mãe atípica, e que os debates e novas resoluções sobre o rol de procedimentos da ANS a deixa aflita. “Meu filho se chama Victor, hoje com 3 anos e 8 meses e diagnóstico de autismo desde os 2 anos. Em razão disso e por trabalhar no meio jurídico, tenho acompanhado as discussões em torno do assunto, até porque já tive negada a cobertura de intervenções necessárias ao meu filho: terapias e exame, sendo que este último o acesso só foi possível através de ordem judicial”, salienta.

A advogada e mãe atípica, Renata e seu filho de 3 anos, Victor
Foto: Arquivo Pessoal

Ela sublinha que até então, o rol ser exemplificativo era um alento aos pais de crianças com TEA, mas exigia que necessitassem buscar socorro ao Poder Judiciário e judicializar a questão, importando em demora no acesso ao tratamento. “A Operadora, agora resguardada pela Lei, poderá usar isso ao seu favor e negar ainda mais, a cobertura de exames, tratamentos e intervenções que não estejam devidamente previstos na lista de procedimentos. É claro que este julgamento trouxe insegurança e muito receio a todos”, garante.

A mãe atípica ressalta que cada indivíduo é único e o autismo se manifesta de forma diferente em cada pessoa. Dessa forma, cada criança ou adulto, necessita de uma forma diferente de intervenção. “Isso, sem falar que o tema está em constante estudo e a cada dia surgem novas formas de intervenções, que se indica, sejam aplicadas de forma imediata para o bem-estar do paciente, não havendo como se aguardar a regulamentação através da ANS, cujo rol, até então, é atualizado a cada dois anos”, aponta.

Conforme Renata, um fator tranquilizante é que no mesmo julgamento foram fixados parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos façam a cobertura de procedimentos que não estão previstos na lista. “Isso inclui terapias com prescrição médica, onde não haja substituição nos procedimentos constantes no rol”, frisa.

Famílias na luta para o tratamento do autismo

A advogada, estudante de psicopedagogia e mãe atípica dos gêmeos Eduardo e Guilherme, Iliene Ferranti Pinheiro Basso, menciona que o TEA é caracterizado por condições que levam a problemas no desenvolvimento da linguagem, na interação social, nos processos de comunicação e do comportamento social, sendo classificado como um transtorno do desenvolvimento, cuja apresentação variável justifica o uso do termo “espectro” (amplo). “Os principais sintomas podem ser notados pelos familiares a partir de 1 ano, sendo que aos 2 anos, na maioria dos casos, as características já são mais evidentes. O diagnóstico é clínico, feito por médico especialista em Neuropediatra ou Psiquiatra da Infância e Adolescência”, expõe.

Iliene confirma que a partir do diagnóstico, os médicos costumam solicitar terapias com a finalidade de desenvolver a criança nas habilidades que não possuem, sendo que não existe uma única abordagem a ser aplicada. “Recomenda-se que a escolha entre as diversas abordagens existentes considere sua efetividade e segurança, e seja tomada de acordo com a singularidade de cada caso. Frisa-se que as terapias indicadas pelo médico podem perdurar pela infância, adolescência e na fase adulta. As formas de tratamento geralmente são compostas por atendimentos multidisciplinares, em equipes compostas por médicos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos, entre outros”, sustenta.

A partir da indicação médica, a advogada cita que quem possui plano de saúde, costuma recorrer ao convênio para que lhe sejam fornecidas as terapias necessárias. Com o rol sendo definido como taxativo, a estudante conta que milhares de famílias se mobilizaram nas redes sociais para fazer protestos com a hashtag ‘rol taxativo mata’. “Também houve mobilizações nas capitais, em frente aos Tribunais de Justiça de cada Estado. Mães e familiares de autistas se acorrentaram em frente ao STJ no dia 8 de junho”, relata.

Segundo Iliene, a votação dos Ministros foi de seis em prol do caráter taxativo, e três para o exemplificativo, mantendo a taxatividade do Rol de coberturas obrigatórias da ANS. “O que se tornou um pesadelo na vida das famílias de pessoas portadoras do Transtorno do Espectro do Autista (TEA), pois a decisão afetaria a justificativa de negativa por parte dos planos de saúde na recusa de fornecer as terapias e tratamentos adequados”, reconhece.

Cobertura assistencial ampliada é alívio para pais e responsáveis

Com a decisão, Iliene enfatiza que as manifestações dos familiares de pessoas com autismo não pararam. A futura psicopedagoga frisa que logo após a decisão do STJ, o Senado Federal se uniu contra a limitação de tratamentos em face dos planos de saúde, sendo realizada 10 Proposições Legislativas por senadores de diferentes partidos. “No dia 21, o Ministério Público Federal (MPF) enviou à ANS recomendação para assegurar o tratamento integral aos beneficiários de planos de saúde diagnosticados com autismo. O documento fixou o prazo de 10 dias para que o órgão regulador providenciasse ampla divulgação e esclarecimentos as operadoras de saúde quanto à obrigação de arcar com número ilimitado de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos ou fisioterapeutas, conforme a indicação médica”, refere.

Uma novidade recente e citada pelas mães é a aprovação nesta quinta-feira, 23, pela diretoria colegiada da ANS, de uma normativa que amplia as regras de cobertura assistencial de planos de saúde para pacientes com transtornos do desenvolvimento, entre os quais o autismo. A mãe do Victor, Renata, comemora, pois a resolução beneficia os portadores de TEA. “Esta decisão incorpora a terapia ABA ao rol de tratamentos que devem ser disponibilizados pelas operadoras. Isso significa um grande avanço, já que muitos autistas possuem recomendação para esta intervenção, sendo que até então, só conseguiam acesso através de ordem judicial, visto a negativa das operadoras”, exemplifica.

De acordo com Renata, a partir de 1º de julho de 2022, passará a ser obrigatória a cobertura para qualquer método ou técnica que seja indicado por um especialista a pacientes com algum dos transtornos que compõem o CID F84 (Transtornos globais do desenvolvimento). “Na mesma normativa, restou confirmado que o usuário também terá autorizado pelo plano: sessões ilimitadas de terapias com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas para todos os portadores de transtornos do desenvolvimento”, realça

Iliene dá ênfase ao fato de que, para familiares de pessoas com autismo, a luta continua e a trajetória frente ao TEA é longa, requer cuidados diários, muito estimulo, atenção e afeto. “A aprovação através da normativa para a cobertura das terapias trouxe novamente a esperança para muitas famílias não desistirem de cobrar dos planos de saúde os tratamentos e terapias, a escolha do método ou técnica indicado pelo médico assistente, sendo esse, o profissional habilitado que acompanha a pessoa e sabe das suas reais necessidades frente ao quadro”, finaliza.

Renata reconhece que embora a ANS já tenha sinalizado que irá comunicar, por meio de uma circular, todas as operadoras para que cumpram as novas determinações, as coisas não serão tão fáceis. “Em muitos casos, ainda será necessária a intervenção judicial para que seja garantido o acesso, com brevidade, ao tratamento que os usuários necessitam, principalmente as intervenções essenciais para os portadores de autismo”, conclui.