Com mais da metade das famílias trabalhando com produção de pêssego, a pequena cidade agrícola se tornou uma das maiores produtoras de todo o Brasil

Com 105 km² de área e apenas 3.003 habitantes, Pinto Bandeira é um gigante em produção de pêssego. Seus 1.050 hectares cultivados e a dedicação de cerca de 495 das 800 famílias do município fazem da mais nova cidade gaúcha a segunda maior do estado em produção, ficando atrás somente de Pelotas. Em média, conforme o Instituto Brasileiro de Levantamento e Estatística (IBGE), o pequeno município serrano produz cerca de 20 toneladas da fruta ao ano. A título de comparação, cidades maiores da região, como a vizinha Bento Gonçalves, com 120 mil habitantes, e Caxias do Sul, com 520 mil, produzem 2,1 e 7,6 toneladas, respectivamente.


Para compreender como isso se tornou possível, o Semanário conversou com alguns dos produtores e personagens centrais que ajudaram a moldar essa história, transformando e acompanhando as mudanças e o fortalecimento do setor. Por meio de seus relatos, percorremos as últimas cinco décadas, desde as primeiras mudas plantadas na cidade, até a recente aprovação da Assembleia Legislativa à proposição que torna Pinto Bandeira a Capital Estadual do Pêssego de Mesa e o retorno da Festa do Pêssego.

O passado

Daniel Pavan (Foto: Fábio Becker)

Possivelmente o símbolo maior da cultura italiana, trazido e perpetuado pelos primeiros imigrantes que colonizaram a Serra Gaúcha, a uva também foi por muito tempo a base da economia de Pinto Bandeira. Na década de 1970, as primeiras mudas de uma planta originalmente chinesa, o pessegueiro, começaria, no entanto, a mudar esse cenário. “O doutor Frank, médico que reside em Bento, trouxe algumas variedades de Montenegro e as cultivou em seu viveiro, onde hoje é o Ginásio Municipal de Esportes. Famílias de Pinto Bandeira começaram a plantar algumas dessas mudas para consumo próprio, para diversificar o pomar”, conta o vice-prefeito, Daniel Marini Pavan.

Com a adaptação das plantas ao clima e ao solo, o que era cultivado sem nenhuma presunção se tornou rapidamente uma opção econômica viável aos produtores locais de uva que sofriam com a concorrência e também com problemas de pagamento. “Às vezes, as famílias ficavam um ou dois anos para receber a safra, então começaram a diversificar. Colhiam os pêssegos, vendiam em Bento e em cidades vizinhas, depois chegaram ao Ceasa em Porto Alegre, até que começaram a transportar cargas para o Rio de Janeiro e São Paulo”, destaca.

Para atender a demanda do mercado externo, a produção foi se modernizando. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, além de novas cultivares desenvolvidas, sobretudo, pela Embrapa Clima Temperado, em Pelotas, o investimento nas primeiras câmaras frias, o transporte de frutas em caminhões frigoríficos, o desenvolvimento de embalagens e a criação da Associação de Produtores, entre outros, foram alguns dos elementos que elevaram a cidade à Capital Estadual do Pêssego de Mesa.

O presente e o futuro

Com cerca de 90% da economia advinda da produção agrícola, assim como foi nos anos 1970, o pêssego permanece sendo, conforme afirma Pavan, essencial para a manutenção da economia da cidade. Ele assinala que o desenvolvimento da fruta também aparece como imprescindível para a manutenção do futuro do município, uma vez que garante a sucessão familiar. “A cultura diversificada ajuda o produtor a ganhar dinheiro e fixa o jovem no campo. Hoje, quando tem oportunidade e crescimento, ele fica na cidade”, destaca.

Se a garantia do futuro começa pelo presente, outubro de 2019 se torna um marco da preservação e do fortalecimento da cultura do pêssego. No mesmo mês que a Assembleia Legislativa aprovou unanimemente o projeto do deputado Sérgio Turra (Progressistas) que oficializa Pinto Bandeira como Capital Estadual do Pêssego de Mesa, a Administração Pública também anunciou a volta da Festa do Pêssego, que terá sua 5ª edição em janeiro de 2020, 12 anos após ser interrompida. “Isso ajuda na divulgação e reconhecimento do nosso produto. Nosso objetivo é que quando algum consumidor de pêssego pesquise na internet por ‘pêssego’ se depare com Pinto Bandeira. Isso é a maior contribuição que a festa e a honraria podem deixar ao produtor”, finaliza Pavan.

O pioneirismo de José Ferrari

José Ferrari (Foto: Fábio Becker)

Com 83 anos de idade, José Ferrari é personagem e memória viva da história do pêssego em Pinto Bandeira. Um dos produtores pioneiros da cidade, ele investiu, na década de 1970, em cerca de 5 mil mudas, como alternativa às dificuldades econômicas que vinha passando com a produção de uva. “Demorava até dois ou três anos para receber o dinheiro da uva, eles pagavam só quando podiam, e a gente tinha que viver quase sem dinheiro, o que não é fácil. Lembro que eu acompanhava meu pai na lojinha da cooperativa. Além de atrasarem o pagamento, eles nos descontavam da safra o que a gente comprava lá”, relembra.

Com retorno positivo desde as primeiras mudas, aos poucos, as terras de Ferrari, antes cultivadas somente com videiras, foram dando espaço aos pessegueiros. Recorda que, se nas últimas décadas, evoluções como a câmara fria, novas cultivares e maquinários modernos passaram a garantir a sustentabilidade de mais de 20 hectares — cuidados hoje, por dois de seus filhos —, os primeiros anos eram bem diferentes.

Das dificuldades do passado, destaca os problemas com o transporte de carga. Segundo conta, antes do uso dos caminhões frigoríficos, as cargas eram transportadas a seco, na carroceria de normais. “A gente pagava frete e mandava a carga seca para São Paulo. Com a viagem, as frutas iam apodrecendo e metade acabava sendo descartada. Sem tecnologia, tínhamos que calcular a margem do lucro, o que sobrava de frutas tinha que pagar todo o custo”, assinala.

O visionário Otacir Sonaglio

Otacir Sonaglio (Foto: Arquivo pessoal)

Emoldurado na parede da Granja Sonaglio, a menção honrosa ao proprietário da empresa, Otacir Sonaglio, de 80 anos, documenta a sua importância para o desenvolvimento de Pinto Bandeira. Primeiro a implantar uma câmara fria na cidade, garantiu, além de mais lucros para os produtores, o primeiro passo para todo um processo de modernização e crescimento econômico que começaria a partir da década de 1980.


Conforme relata a administradora da granja, Luziane Sonaglio, antes dessa transformação, contudo, o contato de Sonaglio com o pêssego era bastante singelo. Como trabalhava como leiteiro, aproveitava para levar algumas pequenas caixas de pêssego nas suas entregas para garantir um dinheiro extra em suas viagens pelas cidades vizinhas. “Levava duas ou três caixas e parava para vender em bancas e postos de gasolina. Ele brinca que era o suficiente para pagar o combustível, e hoje isso mal daria para um café”, conta.


Mas foi quando um amigo caminhoneiro lhe falou do mercado para a fruta em São Paulo que Sonaglio deu uma das amostras da engenhosidade que impulsionaria a economia de toda a cidade, alguns anos depois. Em uma época em que o transporte do pêssego ainda não era feito por caminhões frigoríficos, utilizava folhas de bananeira como isolante térmico natural para cobrir as frutas e garantir uma perda menor.


Após diversas viagens para conhecer centros de pesquisas e polos produtores, dentro do estado e também em São Paulo e Santa Catarina, que trouxe sua maior contribuição à evolução da cultura do pêssego para Pinto Bandeira, a câmara fria. “Era algo muito inovador para os anos 1980. Foi um salto que permitiu expandir a produção e o envio para outros mercados”, assinala Luziane.


Conforme destaca Luziane, sua menção honrosa recebida em 2005 pela Comissão da Festa do Pêssego, Uva e Vinho de Bento Gonçalves, no entanto, representa muito além de uma parabenização por seu visionarismo na cultura do pêssego, mas toda a transformação econômica desencadeada a partir de então. “Fomentou todo o comércio local, surgiram fábricas de caixa, caminhões frigoríficos e fixou os moradores na cidade”, finaliza.

Fotos: Fábio Becker