Clacir Rasador

A vida é feita de experiências e, vamos combinar, algumas nem sempre são lá mil maravilhas. Para uma delas, em especial, há uma expressão popular que se encaixa perfeitamente: “se tivesse um buraco próximo, eu teria sumido”.
Estou a me referir a uma das situações mais embaraçosas que alguém pode viver em razão do outro, a chamada “vergonha alheia”, conhecida pelos jovens pela expressão inglesa “cringe”.

Certamente, cada um já passou as suas, mas, pior que vergonha alheia de desconhecidos, é a vergonha alheia de alguém que se conhece…

Aliás, tenho uma para contar que a considero a “campeã”.

Lá pelo início dos anos 90, o modelo de gestão denominado Qualidade Total, originado no Japão, era tema frequente em palestras nas empresas, feiras e eventos. Pois bem, numa reunião-jantar de sindicato local, fomos contemplados com palestra que versava exatamente sobre a Gestão da Qualidade Total, seus fundamentos, princípios, soluções, e uma “profecia”: quem não se adaptar a esses conceitos, não conseguirá sobreviver no mercado.

Embalado pela nobre bebida dos deuses, pasmem, um dos patrocinadores do evento levanta-se e passa a contestar o palestrante em alto e nada bom tom, argumentando que deveríamos ter nosso próprio sistema de qualidade total, que não deveríamos copiar os americanos e japoneses, tão pouco usar expressões “americanizadas”, pois aqui tudo era diferente. Enfim, queria colocar “algemas” na globalização, senão no banco dos réus… Talvez, hoje, esteja esperando a internet dar certo. Barbaridade!!!

Esta foi daquelas vergonhas alheias com público-alvo patrocinado – uma exceção –, mas exemplos em cenários menores e plateia não faltam, aliás, a vergonha alheia, para se caracterizar, requer exatamente ouvintes. Quem já não sentiu vergonha alheia daquele ser “superior” falando alto ao celular? Pois dependendo do grau da arrogância, saberemos das suas férias na Europa ou do fechamento de “grandes” negócios, seja na fila do mercado, na fila de embarque, na sala de espera de consultório médico, não importa, lá estará o “rei Midas” vociferando altas cifras em dinheiro, em descompasso com a pequenez de sua educação. Em situações como essa, não há como não se perguntar: será que é assim o tempo todo? Será que acreditam que tal comportamento é normal ou seria um dos sintomas da baixa autoestima, se referindo à necessidade de inferiorizar as pessoas – com a palavra os especialistas.

A propósito, a vergonha alheia, na sua forma falada, ganhou uma forte concorrente: trata-se da forma escrita, ou, “melhor” ainda, da forma digitalizada, aquele registro por escrito, aquele vídeo, que corre o risco de não ficar somente na memória, aguardando ser deletado unicamente pelo tempo tal qual situação que narrei acima, e, sim, que poderá envelhecer vergonhosamente na forma de bytes e, quando menos se espera, lá estará novamente “desfilando” nas redes sociais. Todo cuidado é pouco!

Isso me faz lembrar uma dica muito importante do então coordenador de Comunicação e Marketing da PUC/Rede Marista, professor Tiago Rigo, o qual, ao proferir uma palestra para as associações de pais e mestres MARISTAS, fez a seguinte indagação: Imagine um estádio lotado, mais de 35 mil pessoas assistindo, todas de olho no telão do placar. O que você escreveria e assinaria embaixo ou qual vídeo pessoal atuando como ator principal deixaria ser visto por essa multidão? Tudo aquilo que entender não ser digno de expor para 35 mil pessoas num estádio lotado, sugere não expor para o mundo, portanto, aconselha-se não publicar nas redes sociais. Sem dúvida, uma sábia dica para o que hoje é chamado de ética digital. Pensando bem, antes daquela postagem, seja no Facebook, considerada a rede social dos “velhos”, seja no mais recente Tik Tok, não custa aplicar o filtro típico gaudério TTT – “Te Toca Tchê” – antes de virar chacota no mundo virtual e real.

Enfim, ser tomado pelo sentimento ruim da vergonha em razão do comportamento do outro é algo que agride os conceitos, as crenças de quem se sentiu ofendido, até mesmo invadido, cuja causa poderá ter diversas vertentes, cuja fonte principal relego à falta de respeito e educação.

Remédio para isso? Acredito que tenha, pois terapias não faltam. Contudo, para efeito imediato, faço memória de algo que minha mãe nos dava, pílulas de educação, mais conhecidas por ‘sefragol’ e ‘semancol’ – tendo como princípio ativo o ‘fragrômetro’ combinado com bom senso – um antídoto contra a produção de vergonha própria ou alheia – sempre acompanhado com aquele doce e firme olhar, cujo limite era o AMOR INCONDICIONAL.