A vitivinicultura foi essencial para a região prosperar mais do que outras colônias, diz sociólogo italiano, que apresentou seu estudo na Casa das Artes

As colônias italianas, na Serra Gaúcha, se desenvolveram antes do que nas demais regiões do Brasil, porque a terra era propicia para o cultivo da uva, prática que já era comum no norte da Itália do século XIX. Esse é um dos apontamentos da pesquisa realizada pelo sociólogo Renzo Maria Grosselli, que se dedica a estudar a imigração lombarda, trentina e vêneta no Brasil e esteve em Bento Gonçalves nesta semana.
Ele fez uma palestra sobre o trabalho de pesquisa que empreende há 40 anos, na quarta-feira, 11, na Casa das Artes. De acordo com informações do Circolo Trentino de Bento Gonçalves, a oportunidade auxiliou a comunidade a conhecer melhor a história e as origens dos seus antepassados.
Segundo Grosselli, os imigrantes que vieram para o Rio Grande do Sul, sobretudo para a Serra Gaúcha, encontraram condições melhores do que nos demais lugares do Brasil. “Mesmo assim, foi uma barra muito pesada”, frisa.
Ele aponta que o solo fértil para o cultivo da uva e a elaboração de vinhos foi o principal fator que levou ao desenvolvimento da região. “Por aqui eles podiam cultivar o que sabiam. O norte da Itália era exportador de vinho para o império da Áustria, principalmente Salzburgo e Viena”, justifica.
Grosselli também afirma que o Rio Grande do Sul e São Paulo ficaram conhecidos como os estados da revolução industrial. Segundo ele, isso também contribuiu para a região se desenvolver. “Eles capricharam no vinho, exatamente em Caxias, Bento e Garibaldi”, complementa.

Renzo Maria Grosselli é natural de Trento, Itália e já publicou uma dezena de livros sobre a imigração italiana para o Brasil. Ele é formado em sociologia pela Universidade de Trento, em 1976, e obteve o doutorado na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (PUC), em 1998. O pesquisador morou nos estados de Santa Catarina, Espírito Santo, Paraná e São Paulo, onde empreendeu pesquisas em dioceses, além de arquivos públicos e privados.

Terra, trabalho, religião e família

A pesquisa de Grosselli aborda ainda aspectos da cultura do norte da Itália, que foram trazidos para o Brasil. Segundo ele, há quatro valores essenciais, que marcaram a imigração: terra, trabalho, religião e família. “Eles eram realmente e humildemente dedicados à religião e a família era uma célula fundamental e indivisível”, ressalta. O sociólogo ainda comenta que eles vieram para cá para ganhar as terras. “O tirolês italiano ou trentino continua sendo um dos povos mais trabalhadores da Europa e do Brasil”, observa.
Contudo, ele avalia que algumas questões mudaram ao longo do século XX e XXI. Por exemplo, hoje os trentinos já não são muito conectados com a religião e a família se transformou. “Mudou tudo aqui, mudou tudo lá. Hoje tudo está se refazendo. Muitos já não são mais apegados à religião”, afirma.
A miscigenação cultural dos trentinos no Brasil também foi tema do estudo de Grosselli. Segundo ele, o caráter antropológico da pesquisa revelou como se deram os casamentos com portugueses ou outras nacionalidades, bem como a relação deles com a parte negra da população. “Nós não estamos visitando trentinos, nós estamos visitando amigos brasileiros que ainda estão, digamos, ligados às raizes. Quando cair Brasil e Itália no final da Copa do Mundo, os brasileiros vão torcer pelo Brasil”, reflete.
Para o escritor bento-gonçalvense Remy Valduga, a memória da imigração se materializa sobretudo nos dialetos e nas capelas centenárias. Ele conta que, apesar de ser de família trentina, acostumou-se com o dialeto vêneto. “Eles vieram de culturas diferentes, cada região evidenciava diferentes realidades. Por exemplo, sou descendente de trentino, mas me criei no meio dos vênetos”, comenta o escritor.