Em torno da mesa, a conversa corre solta, solteira, soltinha… aham, tá querendo… (Cruz credo! Esse “sertafunk” pega mais que catapora). Enfim, papo vai, papo vem, mas nada de substancial. Animais entram na roda. É a Baby, a Buba, o Bóbi, a Pipoca, a Teka, o Yóchi… De repente, a baixinha do grupo exclama:

-Já sei! A vovó é o “Dôltche”!

Em primeiro lugar, preciso explicar que esse italiano de araque é um gatinho de olhos azuis, pelos prateados e longos bigodes que funcionam como antenas parabólicas. Em segundo, que fui decifrada por uma pirralhinha de quatro anos, mas não pelas características acima. Afinal, meus olhos são castanhos, não sou peluda, nem bigoduda.

Embora ela me ache uma “gata”… da melhor idade, a questão também não é essa. Trata-se de alguma semelhança bem singular com o paparicado “Dolce”, a ponto de sugerir tal identificação. E já descartando outra possibilidade: nunca fui paparicada.

Na explosão de riso, a mensagem: estamos plenamente de acordo. Mas isso parece não ser suficiente. Alguém do grupo, ardiloso como ele só, pretende levar a revelação às últimas consequências. Quer que seja dito com todas as letras o motivo de minha austera figura ser associada ao doce angorá. Assim, vai conduzindo o raciocínio da menina:

-Querida, a vovó não tem rabinho…

-“Helloooooou”!!! – responde ela, cortando a frase com sotaque estrangeiro, o que significa dizer “está me achando com cara de idiota?”

O outro continua:

-A vovó tem duas pernas, e o gatinho tem…

-Nenhuma, né! Só patinhas.

-A vovó fala, e o gatinho…

-Faz miau!

-E então? Em que eles são parecidos? – desafia o grande.

-Ele é fofinho… – responde a pequena, reticente.

Ela não abre mão de seu ponto de vista, mas está “cheia de dedos”. Ele percebe, mas não desiste de provocá-la.

-Então, aqui tem muitos “Dolce”! Olha quantos fofinhos…

-Não é só por isso. O gatinho é legal…

-E eu não sou?

-O gatinho se esconde embaixo da cama quando chega visita…

-Te peguei! A vovó não se esconde embaixo da cama! Não conseguiria nem se quisesse…

-“Helloooooou”!!! Tu não entende???

A baixinha está usando de psicologia para não ferir suscetibilidades, mas acaba cedendo à pressão. E vai, no ouvido de cada um, revelar o segredinho. Chegando a minha vez, ela me garante:

-Vó, eu não contei que tu tem medo…