Quem nasceu antes dos anos oitenta, deve se lembrar da evolução do celular, que surgiu como um tijolão, encolhendo depois até virar tijolinho. Já, hoje, quanto maior e mais leve ele for, mais status representa.
Esta história aconteceu na época dos celulares pequenos. Minúsculos que eram, cabiam em qualquer lugar, disfarçavam-se embaixo de qualquer revista, sumindo a qualquer distração. E para achá-los, que encrenca!
Mas vamos ao caso (real):
Era uma paisagem quase paradisíaca. Quase, porque, no paraíso, as ovelhas não expelem caca em forma de bolinhas. E, naquele potreiro, o cidadão precisava de muita destreza para desviar delas.
Lá também havia um açude, onde húngaras, cabeçudas e prateadas faziam a alegria dos pescadores de araque – porque pescador de verdade se embrenhava no vale das Antas, se aprumava na pedra mais alta, junto ao rio e gastava um terço das férias fisgando lambaris que serviriam de aperitivo num jantar qualquer.
Pois estando o pescador de verdade em tarefa de reconhecimento do terreno para catar minhocas, ele acabou optando por um depósito de esterco, onde passou a cavar como se estivesse garimpando ouro. Depois de encher uma latinha de iscas gosmentas, ele tapou o buraco e foi até o carro, onde já estocara o restante do material necessário para a pescaria.
Mentalizou a lista e passou a conferir se tudo fora mesmo providenciado. Salame? Presente; cerveja? Presente; repelente de mosquitos? Presente; radinho a pilha? Presente. Ok! Só faltava ligar para os outros pescadores de verdade que aguardavam em suas casas. Dormindo.
“Mas que droga, cadê meu celulóide?”, resmungou o pescador depois de apalpar o bolsinho da camisa. Teve que abrir a mochila outra vez, o que, aliás, foi providencial, pois percebeu que ainda faltava o pão de sanduíche. Não encontrando o aparelho, o cara retornou ao potreiro e passou a pesquisar cada cocozinho preto que se destacava. E eram centenas…
De repente, escutou o som abafado de uma valsa bem conhecida, parecendo vir de um salão longínquo, lá da sua juventude. O pescador de verdade ligou as antenas. Era o seu pretinho básico, e ele estava por aí, mas onde? Encarou, desconfiado, as ovelhas próximas. Será que alguma delas seria capaz de papar o aparelho?
Desistiu ao perceber que a melodia continuava no mesmo volume, embora as ovelhas tivessem se distanciado. Voltou então ao local onde cavara, e o som ficou mais nítido. Alvoroçado, usou as mãos como pás até chegar ao fundo do buraco, onde jazia o celular, já mudo, mas não morto. Que sorte alguém ter ligado naquele momento! Apanhou-o e retornou a ligação:
-Oi, estou ligando pra dizer que sua chamada salvou meu celular de ser enterrado vivo… Claro, eu… O quê? A operadora? (Lembrou-se do tempo perdido com as operadoras). Desculpe, tem um barulhão aqui… Não ouço nada.
Num click – ou seria num tim? – o pescador de verdade desligou. Sem remorsos.