Vivenciei, recentemente, uma experiência que poderia ser qualificada como uma experiência social: ficar um dia sem o uso do celular.

Primeiramente me bateu o desespero, lembrei de avisar a família, os principais contatos da empresa em que trabalho e assim seguiu meu dia com um certo ‘tick’ nervoso, que serviu, dentre tantos outros, para resgatar o telefone fixo para também fazer chamadas e não somente recebê-las – mas, em especial, o fato de que a vida acontece mesmo assim. Aliás, jamais poderia deixar que fosse diferente, pois nascemos sem lenço, sem documento e sem telefone celular.

Contudo, confesso, como se fosse uma extensão do corpo, que tal abstinência do celular me fez vivenciar, mesmo que de forma leve, o que descobri ser uma síndrome e cujos especialistas chamam de nomofobia, ou seja, uma compulsão caracterizada pelo medo irracional de permanecer isolado e desconectado do mundo virtual, cujos fatores e causas são diversos… em minha autodefesa, o trabalho.

Dei-me conta de que as expressões já um tanto acinzentadas e quase sempre seguidas àquele sorrisinho como pedindo compreensão – “não é do meu tempo”, “sou analógico” – não excluem as gerações anteriores aos anos 90 – advento do uso celular – do risco de se verem enredadas no labirinto da internet, da sede do click, das lindas e memoráveis postagens, de se notar e ser notado, quanto não de viver uma vida mais digital, senão artificial do que a real.

O uso de forma indiscriminada das redes sociais, tomado por um “poder” emprestado pela tecnologia de quem realmente tem poder, sem a autocrítica, sem a autoconsciência, crivo da sensatez e até mesmo do ridículo, me faz lembrar uma singular palestra de um educador da área digital, catedrático da PUC, promovida pelo Colégio Marista Aparecida, o qual sabiamente assim se referiu às postagens pessoais: se você não gostaria de ver aquela postagem no telão de um estádio lotado de futebol, não a faça para o mundo na Internet. Era o tempo em que a nudez se limitava à do corpo, trancada na intimidade a ponto de preocupar-se com o outrora raquítico buraquinho da fechadura, quando agora muitos se abrem ao mundo, em pedaços digitais, quase que expondo os contornos da alma.

A cada click tomado da nossa atenção, mesmo que pensando ingenuamente estar a navegar em águas calmas, sem problemas outros que não seja a falta de curtidas e/ou comentários elogiosos, estamos a reforçar a musculatura da indústria da tecnologia; alimentando o seu conhecimento sobre o estudo do que é mais instigante, mais desafiador, mais fascinante e misterioso, dando-lhes a chave da “caixinha de surpresas”, do íntimo do ser humano. Diria que é hoje a prova fiel e literal da expressão máxima: conhecimento é poder!

O que fazer? Renunciar ao progresso tecnológico?

Não, até mesmo porque impossível e a mudança é a lei da vida, disse certa feita John Kennedy.

A mesma pedra que nas mãos de nossos ancestrais serviu para ferramenta no período da pedra lascada e contribuiu largamente para sua sobrevivência, também serviu, nas mãos de Caim, para matar cruelmente Abel e, nas mãos de nossos imigrantes italianos, “abiam fondato paesi e cità”.

Não se trata de condenar em absoluto o progresso, mas de se assegurar de que o princípio é usar a ferramenta e não sermos usados, a fim de que jamais se desvirtue o sublime valor da verdade, sendo que sugiro que assistam aos documentários: “O Dilema das Redes” e “Privacidade Hackeada” (Netflix) e tirem suas próprias conclusões e ações, especialmente na qualidade de pais.

Por outro lado, e igualmente fato, as redes sociais têm exercido um papel fundamental para diminuir a saudade nesta pandemia, contribuindo de certa forma para a saúde mental das pessoas; entretanto, como todo remédio, seu excesso e uso desregulado têm adotado as mentes, em especial de nossos jovens e crianças, e isso é verdadeiramente um crime.

A propósito, no Brasil, com a vigência da legislação denominada LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados 13.709/2018, alterada pela Lei 13.853 de 08/07/2019) a qual, embora tardia, ainda assim vem em boa hora regulamentar os limites das ações no imenso oceano da navegação virtual, a fim de que não venhamos a naufragar como seres humanos e sociedade.

Vamos em frente! Saúde!

Clacir Rasador