As emoções são as mesmas, mas agora estão afloradas, inflacionadas, aficionadas. Estamos vivendo a maior pandemia da história – desde a gripe espanhola, há 100 anos. O benquisto direito de ir e vir está afetado, com distanciamento social controlado e altas doses de ansiolíticos.


Nesse momento improvável, agarrar-se em uma só narrativa é pedir de pés juntinhos para dar ruim. O isolamento é uma lente de aumento, potencializa tudo que está à nossa volta. Confinamento causou aumento de divórcios, violência doméstica, procura por ‘corte o cabelo você mesma’, redes sociais transformando-se em delivery de comida e pessoas. Falei isso alto?


Ao mesmo tempo que precisamos honrar nossos compromissos trabalhando e pagando os boletos, não podemos nos divertir como gostaríamos, nem conhecemos mais ninguém diferente. Nossa busca por algo que nem sabemos o que é foi bruscamente bloqueada, não viajamos mais para fugir da nossa vida por algumas horas ou dias. É injusto, confuso e estamos cansados dessa ‘mea culpa, furei um pouco a quarentena’, toda vez que vamos ao mercado.


Home office e compras pela internet trouxeram mais conforto e segurança e, pelos burburinhos, irão perpetuar pós-pandemia. As mudanças também vieram nos relacionamentos e alguns tomarão caminhos irreversíveis. A falta de certeza no amanhã fez com que as pessoas descobrissem seu ‘eu interior’. Tiveram a oportunidade de se conhecer e conhecer melhor o próximo. Enxergamos além da melhor etiqueta, da melhor maquiagem, do melhor corte de cabelo, do melhor shape e conhecemos pessoas bem interessantes. Aventura bem doida, essa. Quem encontraria ouro no próprio quintal, quando é possível viajar mundo afora? Exclusividade desse período incomum e benfazejo chamado quarentena.


Sempre tivemos preguiça de nós mesmos e dos outros, o cotidiano atribulado não dava tempo para avaliar ou refletir, e simplesmente caíamos em comodismo de estar com aquela pessoa ou não conhecer melhor.


Mas o foco está para além do isolamento, em um reino que me parece um pouco distante, chamado ‘não podemos voltar ao que éramos porque era justamente blábláblá…’. Enquanto seu inconsciente repete incansavelmente ‘quando acabar, quando isso terminar, quando tudo passar’. Vivendo como se essas fossem suas férias de verão, tomando uma dose mínima de consciência, só para poder postar ‘a quarentena me ensinou a conviver com menos, a dar mais valor aos detalhes e a enxergar melhor além das aparências’.


Não é um vale-tudo, um ‘o que acontece aqui, fica aqui’. É nossa opção construir um castelo de areia ou um forte. Podemos levar tudo o que aprendemos, conquistamos e vivemos, ou deixar para trás como uma bagagem descartável. Fica o benefício da dúvida e uma ponta de esperança, para além da quarentena.