Hoje são cerca de 500 construções inventariadas no município, o que contribui para manter preservada a cultura da cidade

A história de Bento Gonçalves pode ser contada de várias formas. Uma delas é a memória material, ou seja, as construções e os casarões que remetem a determinado período histórico. Outra é a memória imaterial, que são as narrativas e a cultura das gerações passadas. Para historiadores e arquitetos, as duas formas andam juntas. Por meio dos traços e da estrutura das edificações é possível entender a forma como as pessoas viviam, como um complemento à história oral.
Fazer essas associações tem sido o trabalho do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc) de Bento Gonçalves. A presidente Cristiane Bertoco estima que haja cerca de 500 edificações inventariadas no município, o que, na prática, as torna protegidas. “Nesse número ainda tem as edificações de Pinto Bandeira, porque o inventário foi feito antes da emancipação. Além disso, tem túmulos e paióis”, explica.
A diferença do tombamento – a mais popular forma de proteção – para os demais estágios de preservação, de acordo com Cristiane, é a possibilidade de reconstrução do espaço em caso de uma catastrofe, uma vez que é necessário uma ampla documentação para que a edificação seja tombada. “Se vê muito casos em que deu uma enchente e destruiu a cidade inteira, mas depois de um tempo você vai olhar e a cidade está lá de novo. A documentação possibilita que se construa da mesma forma, mas com outros materiais”, explica. Em Bento, a Prefeitura, o Arquivo Histórico e a Igreja Santo Antônio são alguns exemplos de construções tombadas.
Na opinião de Cristiane, só é possível fazer relações históricas com base no material, ou seja, dos velhos casarões e dos estilos arquitetônicos que marcaram períodos distintos. “Como entender a cultura daquela gente, que não está nos livros? Se você conhece o sistema construtivo das pessoas, você vai saber como elas viviam”, explica.
Para ela, o mais importante da memória do município está naquelas casas que não foram construídas por arquitetos, mas pelo braço dos próprios familiares. “Hoje os idosos estão aí conversando para contar sobre o passado, mas se a gente não registrar agora, acabamos perdendo”, salienta.

 

Prédio da Prefeitura foi construído em 1901

Bento Gonçalves era uma pequena cidade governada pelo prefeito (na época, intendente), Coronel Antônio Joaquim Marques de Carvalho Júnior, que ficou no poder por 32 anos. Pelo fato de o município ainda não ter porte, o governo estadual enviou arquitetos para projetar o prédio que viria a sediar o governo municipal. Os mesmos artistas planejaram a Prefeitura de Porto Alegre.
Conforme explica a historiadora Assunta de Paris, só tinhamos a colônia e as construções eram coordenadas por agentes da capital. “O comando da província do Rio Grande do Sul sentia a necessidade de um prédio novo”, explica. Ela pontua ainda que o prédio tem estílo neoclássico e que as aberturas de madeira foram esculpidas por um artista muito talentoso, chamado Balestreli. “Reserva uma forma muito particular de construção da época”, observa. Embora o prédio tenha começado a ser construído em 1901, sua inauguração ocorreu no dia 20 de setembro de 1902.

 

Arquivo Histórico seria a casa do gerente do banco

Desde o princípio, o prédio ao lado da Prefeitura foi planejado e utilizado pelas instituições bancárias. Ao longo das quase oito décadas de existência, o espaço foi sede do Banco do Estado do Rio Grande do Sul e do extinto Banco Pelotense.
A área superior, onde hoje está instalado o Arquivo Histórico de Bento Gonçalves, foi projetada para ser a residência do gerente do banco, mas o Santander, que comprou o prédio, cedeu o andar de cima para a Prefeitura. “Foi vendido para diversos acionistas”, pontua a historiadora Assunta de Paris. Ela explica que o município não tem a planta do prédio, uma vez que foi construído por arquitetos de outros lugares do Rio Grande do Sul. “Por isso não temos como definir sua forma arquitetônica”,
Ela aponta ainda que quando o lugar foi construído, no final da década de 30 e início da década de 40, era o Banco Nacional do Comércio. “A arquitetura é belíssima”, comenta.

 

Clube Aliança remonta elementos da aristocracia

Com um estilo neorromântico, o Clube Aliança ganhou destaque na história de Bento Gonçalves, de acordo com Assunta, por se tratar de um monumento representativo da sociedade aristocrática. Por isso, os encontros e as principais festas do município aconteciam por ali, como os bailes de debutantes, casamentos e comemorações familiares.
Assunta conta que quando o local foi construído, em 1946, era popularmente chamado de Casa Cor de Rosa, devido a delicadeza dos traços e a cor característica. “Hoje sabemos que nossa sociedade tem outros segmentos, então o Clube se manifesta com outros atrativos”, comenta.
Segundo Assunta, uma das características do neorromantismo são os detalhes com flores. “Na época era considerado um dos prédios mais brilhantes”, ressalta. Embora o prédio da Via Del Vino tenha sido construído somente em 1946, o Clube foi fundado em 1906 e inaugurado em 1909, onde hoje está localizada a Praça Centenário, no Centro.

 

Prédio Fasolo foi comércio desde sua fundação

O terreno onde hoje se localiza o prédio Fasolo abrigava o hospital do município. De acordo com Assunta, com a chegada do médico Bartolomeu Tacchini, o atendimento à saúde deixou de ocupar o espaço em frente à Prefeitura e a exigência para construir no local era a de adotar uma arquitetura da grandeza do prédio que sedia o Poder Público, devido à proximidade e a importância da via para o município.
Assunta observa que a edificação foi construída entre as décadas de 40 e 50, acompanhando a evolução da cidade. “O cortume Fasolo estava tendo uma expansão significativa, e dentro desse contexto eles não possuíam uma loja de comércio. Aí resolveram construir a casa e a parte térrea com a loja, ampliando a venda de derivados do couro”, explica.
Ela afirma ainda que se tornou um prédio de relevância para o centro, uma vez que remete à evolução da cidade. “É uma arquitetura trabalhada”, ressalta. Desde que foi fundado, o espaço sempre foi destinado ao comércio.

 

fotos: Lucas Araldi