Nem a Lei 7.418, de 1º de dezembro de 1980, que consagrou o Belonopterus Cayennesis, popularmente conhecido como quero-quero, como ave-símbolo do Rio Grande do Sul, impediu que esses pássaros fossem expulsos de muitas áreas rurais. Sem ter onde morar, as sentinelas do pampa obrigaram-se a invadir espaços urbanos ainda não totalmente ocupados, onde foram se arranjando para garantir a sobrevivência e a preservação da espécie.

Foi isso que aconteceu com a dupla que se estabeleceu no quarteirão onde passeia uma moça e seus cachorros. Encantada, ela fala de sua intimidade com a mamãe quero-quero, com quem bate longos papos. Já com o pai, ela mantém certa distância, pois o macho mostrou ser violento na defesa do território ocupado.

Tudo começou em setembro, quando a moça e seus cães faziam a caminhada diária pela lomba da Humaitá. Um quero-quero deu um rasante sobre ela, ameaçando-a com seu esporão pontudo. Billy e Rebeca latiram, o que atiçou ainda mais o agressor.
Afastando-se um pouco da zona de perigo, a moça reparou na fêmea sentada no ninho, provavelmente chocando os ovos. Daí a razão de o companheiro ser tão intenso na investida contra os invasores: estava cumprindo seu dever de pai.

De repente, o olhar da moça encontrou o olhar da ave. Uma cumplicidade entre as almas femininas, um entendimento mudo e mútuo marcou o início da relação. E essa confiança propiciou o diálogo entre as duas espécies: a humana, através da palavra; a alada, através de sinais corporais.

O ritual diário criou laços de ternura entre ambas, tanto que, num dos encontros, mais especificamente no dia 20 de setembro, a fêmea levantou-se do ninho para exibir seus quatro filhotes recém-nascidos.

Mas, dia desses, durante o passeio habitual, a moça teve um baque. “Cadê meus quero-queros?”, perguntou apavorada ao Billy. Foi Rebeca quem respondeu com um “au-au” que poderia ser traduzido como “eles estão no terreno baldio, ao lado”.
E estavam mesmo. O vizinho havia atraído a família dos sem-terra para mais perto de sua casa, com comida abundante e uma piscininha de água limpa.

“Sacanagem!”, pensou a moça. Mas, logo constatou que nada mudara entre ela e a mamãe quero-quero. Mesmo cuidando da prole, a ave posicionou-se de tal forma que pode manter aquele contato visual tão significativo. Já o pai, mais racional que nunca, abria as asas e alertava os filhotes, que corriam para o esconderijo como tartaruguinhas correndo para o mar.
Tudo continua perfeito. A caminhada diária, o encontro, o diálogo, a gritaria do macho, a disparada dos pequenos… Mas, como estivesse meio cismada, a moça expressou sua dúvida no local de trabalho:

– Será que a família vai ficar por aí depois de crescidos os filhotes?

– Depende do aluguel. Se não subir muito… – brincou o colega, que não tem esses pruridos sentimentais.
Comprovada a teoria: machos são “machos”. Em qualquer espécie.