Dados do Censo da Educação Superior de 2018, divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontam para uma transição e transformação no cenário educacional do Brasil. Pela primeira vez na história, o número de vagas ofertadas em cursos a distância superou o volume de vagas em cursos presenciais. Outro elemento que confirma o avanço dessa modalidade é o aumento de 51% em cursos a distância em um ano, passando de 2.108 em 2017 para 3.177 em 2018.

Das três instituições com sede na Capital do Vinho que a reportagem conversou, todas já possuem maior oferta de cursos a distância do que presenciais. É o caso da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) de Bento Gonçalves, que dispõe de mais de 80 cursos no sistema EaD, com cerca de 275 alunos só da cidade, contra os 14 presenciais que tem em média 600 estudantes matriculados. Em nível nacional, de acordo com o diretor da instituição, Denis Chidem, o número de alunos na modalidade EaD já é o mesmo da presencial: cerca 150 mil.

Diretor da FSG de Bento, Denis Chidem

Chidem acredita que o estudo a distância é uma realidade para futuro e vai além, afirma que quem não se adequar a esse cenário, vai sair do mercado. “Hoje, um terço dos alunos fazem cursos EaD. Daqui a três ou quatro anos isso vai se equiparar e o estudo a distância tende a superar o presencial em número de alunos”, prevê.

Chidem também observa que o mercado de trabalho já tem um olhar diferente em relação as pessoas que têm a formação no EaD. “Antigamente quando tinham dois diplomas e um deles era EaD, nem olhavam, descartavam. No entanto, as empresas já estão vendo com outro olhar. Se a pessoa conseguiu estudar quatro anos, com disciplina, foco, boas notas e se formou, essa pessoa é especial. Não é fácil chegar em casa de noite, depois de trabalhar, ter um dia cansativo e sentar na frente do computador para estudar”, afirma.

O reitor da Universidade Cenecista de Bento (UniCnec), Fernando Malheiros, frisa que a partir do momento em que o Ministério da Educação dá o mesmo peso para ambos os tipos de formações, o mercado profissional também precisa enxergar dessa forma. “São apenas metodologias diferentes de aprendizados, não são melhores nem piores, apenas diversas. Haverá alunos que se darão muito bem no ensino a distância e outros não, mas por questões de afinidades pedagógicas, assim como na presencial, onde tem alunos com dificuldades de manter aquela rotina de toda noite frequentar porque já são trabalhadores”, exemplifica. De acordo com o reitor Malheiros, a instituição possui 18 cursos de graduação e 10 cursos de pós-graduação na metodologia EaD, com uma média de 100 alunos nessa modalidade. Por outro lado, conta com cerca de 750 alunos nos 15 cursos presenciais que o polo de Bento oferece.

Reitor da Universidade Cenecista de Bento (UniCnec), Fernando Malheiros

Malheiros acredita que alguns fatores influenciam na escolha do curso não presencial, como o preço e flexibilidade na rotina de estudos. “O ensino a distância é bem mais barato do que a presencial por uma característica de espaço físico e investimento. E a maleabilidade no processo de aprendizado que possibilita que o aluno organize o tempo de estudos mas exige do aluno uma rotina, o aluno tem que colocar na cabeça que assim como iria no presencial todas as noites estudar, deve fazer a mesma coisa no ensino a distância”, afirma.

EaD na rede pública

O cenário EaD na rede pública é diferente da privada. De acordo com a coordenadora do ensino a distância do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) Campus Bento Gonçalves, Júlia Marques Carvalho da Silva, as universidades federais ainda não recebem recursos do governo para abrir cursos dessa modalidade. Já os institutos federais começaram a receber verbas de incentivo só a partir do ano passado. “Antes, as iniciativas de EaD no setor público eram via programas, como Pronatec e E-Tec Brasil, que incluem educação a distância dentro das instituições públicas, mas esses programas estão morrendo, foram descontinuados nesses últimos governos”, explica.

Coordenadora do EaD do IF de Bento, Júlia Marques Carvalho da Silva

Esse é o motivo pelo qual o IFRS ainda não oferta cursos de graduação a distância. Entretanto, de acordo com Júlia, a instituição está em processo de preparação e organização para que no próximo ano já tenha esse tipo de curso para oferecer aos acadêmicos que optem pelo sistema de ensino EaD. “Esse ano estamos capacitando professores, montando espaços, enfim, fazendo toda essa preparação para fazer uma educação à distância de qualidade”, antecipa a coordenadora.

Entretanto, a instituição já está mergulhada nesse universo de educação não presencial. O IF oferece 75 cursos de formação continuada, popularmente conhecidos como cursos de extensão. “Esses cursos são o que a gente chama hoje em dia de moocs, que em português seriam cursos abertos, onlines e massivos. É para a grande massa no sentido de que não existem limites de inscritos nem prazos estabelecidos. A cada semestre abrimos uma nova turma e cada estudante se organiza no seu tempo”, explica Júlia.

Foi dentro desses cursos, que tem duração mínima de 20 horas e máximo de 90 horas, que a instituição viu o número de alunos crescer exponencialmente. De acordo com Júlia, em 2017, primeiro ano que o IFRS ofertou cursos EaD, 10 mil alunos foram matriculados. Em 2018, o número subiu para 30 mil e até outubro desse ano, o número é dez vezes maior que no ano anterior: são 300 mil alunos matriculados. “Estávamos acostumados com 10, 15 inscrições por dia, mas de uma hora para outra foram 5 mil inscritos em um dia. Hoje a média é de mil diariamente”, destaca.

Enquanto isso, no cenário presencial, a instituição oferta 14 cursos, com cerca de 1.535 alunos matriculados nesse ano. Ano passado, o número era um pouco menor: 1.700 acadêmicos.

Assim como os outros gestores da área, Júlia acredita que a cenário de educação a distância é uma tendência para o futuro. “Temos que considerar que a nossa sociedade está ficando mais tecnológica, que estão buscando canais, sites para complementar a aprendizagem. Os jovens têm visão menos focada no certificado, diferente da nossa geração que fazia questão de ter o diploma, os também jovens têm menos apego com os documentos, com papéis, então é uma geração que busca conhecimento por meio da internet”, conclui.