Em tempos normais, o touro fica na dele. Corre quase docemente pelo caminho já traçado pela natureza. Não fere ninguém, desde que ninguém o provoque – tem sangue nas veias. Só vez ou outra, a gente ouve dizer de algum incauto que fez a travessia… Pura maluquice! Há de se respeitar o caráter das coisas…

Mas quando as “Águas de Março” chegam… lá por setembro, ele vira bicho. Numa fúria que vai aumentando, o touro sai do cercado e, cheio de gana, investe contra tudo e contra todos, espumando, bramindo, invadindo, corroendo, arrastando…

E não pensem que, nessas touradas, existe lança capaz de enfraquecê-lo. Até porque não é uma luta de vinte minutos. Ela pode durar dias ou semanas, se contarmos o tempo em que ele volta ao leito, para depois, alimentado na origem, ressurgir como a fênix. E se agigantar, e espumar, e bramir, e invadir, e corroer, e arrastar tudo o que estiver ao seu alcance, outra vez…

Vem de minha infância essa lembrança… O touro de nome Taquari saindo de sua enigmática quietude, se metamorfoseando, transbordando em brancura selvagem, jogando a língua pegajosa pelas encostas, bebendo com sofreguidão e avançando até engolir árvores, lavouras de milho, abóboras, melancias, casas ribeirinhas…

Esse rio bravo em época de cheias desafiou minha meninice de perto, num jogo que se estendeu durante anos. Inclusive ele ainda povoa meus sonhos… ou pesadelos. Sem sobras de dúvida, posso afirmar que foram vivências “tauromáticas”.

Ainda bem que o destino sinalizou uma estrada que me levou a um lugar distante do rio, onde construí meu presente. Aqui também encontrei “vento ventando”, “chuva chovendo”, “o queira não queira”, e “pau”, e “pedra”, e “ponte”, e “um resto de mato” e “febre terçã”…, mas principalmente “promessa de vida”. Sem nenhum touro espumando por perto.