“Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára
Não para, não, não pára “. (Cazuza)

Nos anos oitenta, tive um fusca meia meia, de motor invocado, que me deixava na mão, ou melhor, me deixava a pé, quando bem entendia. Os freios eram duvidosos. Às vezes, eu descia a rampa da Antônio Michelon, na época, não asfaltada, em primeira. Por isso, chegar ao destino, inteirinha, era uma vitória. O auge da desdita foi quando, sob uma chuva torrencial, o limpador de para-brisa resolveu empacar. Dirigi da Treze de Maio, perto da Delegacia da Polícia, até minha casa, enxergando enviesado – só pelo lado esquerdo. Com o vidro aberto, logicamente. Era uma chuva grossa que batia em meu rosto como um açoite. Cheguei em casa, ensopada, doída, gelada, com os pés no meio da água.

Aquela foi a gota d’água. Vendemos o meia meia, quase a troco de banana. Mas valera a pena, pois, segundo o mecânico que costumava me socorrer, meu marido corria sério risco de ficar viúvo.

Por que a lembrança do velho fusca trinta e tantos anos depois? Porque, na verdade, qualquer semelhança não é mera coincidência. Assim como o redondinho, eu também, redondinha, atingi uma quilometragem respeitável. E preciso passar uma graxa nas juntas, que estão desgastadas. Às vezes, é difícil frear, tanto no sentido real como no metafórico. E o motor… Já não é um zero quilômetro. A bateria precisa ser recarregada de tempos em tempos, e a lataria anda meio amassada. O sistema de aquecimento… Bom, deixa pra lá!

Enfim, nós, de meia meia – do pós 2ª guerra e início dos anos dourados, temos muito em comum. Com folga na direção, andamos um pouco hesitantes, derrapamos nas curvas, coisa e tal, mas somos casca dura. Não quebramos fácil, assim como o fusquinha. Me lembro de uma ocasião em que peguei um dos meninos batendo de marreta na lateral do fusca. A única coisa que aconteceu foi que a verdadeira natureza do veículo se mostrou: bege, por cima; azul marinho, por baixo.
Pois é! O tempo não para. Como diz a velhinha do filme “Bem-Vindos aos 40”, é só a gente fechar os olhos e depois abrir: e aí se está com noventa.

O jeito é não levar as coisas tão a sério, pois não há solução para nossas angústias existenciais. O jeito é ouvir Gonzaguinha e ficar “com a pureza das respostas das crianças”, porque “a vida é bonita e é bonita”. Ou então não fechar os olhos.