A palavra trabalho tem origem no termo latino tripalium. O tripalium era formado por três paus – espécies de estacas- utilizado para torturar os escravos na antiguidade. Posteriormente, o termo passou a designar também o instrumento utilizado pelos agricultores para cultivar plantações, análogo à enxada. Embora não saibamos precisamente quando este termo surgiu, fato é que foi há muitos séculos atrás, quando o homem desenvolvia instrumentos para a prática de tortura e vivia em uma sociedade bastante estratificada, com várias classes – senhores feudais, ricos, pobres, camponeses, escravos, mulheres, crianças.
A primeira acepção da palavra que se tem conhecimento, é de que o tripalium era instrumento utilizado para a prática de tortura. Hoje, século XXI, o trabalho ganha uma roupagem completamente diversa. O trabalho é visto como a atividade produzida com esforço e habilidades humanas que dignifica as pessoas e contribui para a comunidade. O trabalho realmente nos dignifica e nos torna humanos. Ele permite sair da nossa bolha e ver com os próprios olhos como o mundo é. Nos ensina a sermos sensíveis, generosos, pacientes e tolerantes. Mas também corajosos, determinados e resilientes. A experiência do trabalho é tão fantástica porque com ele somos obrigados a cruzarmos com inúmeras pessoas. Pessoas que são muito diferentes de nós mas que, ao cruzar nossos caminhos, acrescentem não só para a comunidade, mas em nossas vidas. As vezes acrescentam tanto que a relação vira amizade. Outras, fica um aprendizado.
Contemporaneamente, quando pensamos em trabalho, logo vem em mente o empresário ou o profissional de carteira assinada, que cumpre horários, tem uma rotina pré-estabelecida, geralmente atarefado e com um círculo de colegas de trabalho. Contudo, se o primeiro sentido da palavra trabalho estava relacionado com uma atividade tão dolorosa e cruel, por que hoje os trabalhos dignos, que acrescentam algo na nossa vida e nos tornam mais humanos, não são reconhecidos? Trabalho voluntário, cuidar do lar ou da família, aprender algo, também são trabalhos. Quantas vezes ouvimos “Ela não trabalha, só cuida da casa”. Cuidar da casa é trabalho, aprender algo e ensinar voluntariamente também é trabalho. Eles não tem menos importância pelo simples fato de não serem remunerados. Trabalho é tudo aquilo que investimos nosso tempo, nossa dedicação. E como o próprio nome sugere, da (e muito) trabalho fazer as coisas bem feitas. Geralmente esses outros tipos de trabalho possibilitam uma rotina mais flexível, o que não é bem aceito na nossa sociedade. Rotina apressada e falta de tempo é sinônimo de gente bem sucedida. Precisamos desconstruir urgentemente esses estereótipos. O nosso tempo é precioso e cada um investe ele naquilo que faz sentido para si, não cabe a nós julgarmos. A sobra de tempo não é bem vista, mas a ‘falta’ dele, que frequentemente conduz às pessoas à exaustão mental, é admirável. Esses estereótipos estão adoecendo as pessoas, porque cada vez mais elas estão lutando para se enquadrar neles, buscando uma sensação de pertencimento. Somos seres sociais, a busca pelo reconhecimento é inerente a nós. Há muitos especialistas que criticam a busca pelo reconhecimento, defendendo que devemos fazer as coisas sem esperarmos por ele. Porém, não ser reconhecido ainda gera bastante frustração. Precisamos despertar para isso. Uma rotina apressada e atarefada não é sinônimo de sucesso (aliás, sucesso é um conceito bem relativo). Assim como um corpo magro não é sinônimo de saúde.
Parece que o tripalium não nos ensinou muita coisa. Esse instrumento foi de grande valia para a época, facilitando uma atividade que era comum no cotidiano. Ora, se uma atividade dessa natureza, desumana e cruel, já foi uma vez considerada trabalho, dentro das suas circunstâncias, claro, porque hoje, atividades dignas, feitas com dedicação e emprego de múltiplas habilidades que muitas vezes levam muito tempo para serem aprimoradas, não são reconhecidas, tampouco valorizadas como trabalho? Um dos termos mais empregados durante a pandemia foi ‘resinificar’. Talvez é isso que falte. Resinificar o trabalho.
Laura Caprara Cavalini