Se te veio à cabeça a imagem de Gesonel, o pato de estimação da vovó Juju, que dispara lasers com os olhos, esquece! Ou então do garçom Pistachio, descendente de uma linhagem cujos membros têm o dom de se transformar em qualquer pessoa ou objeto, também deleta! O mestre de disfarces a que me refiro não reside nas telas do cinema. Ele é bem real e íntimo…

Sua chegada acontece geralmente à noite, depois que a gente deita a cabeça no travesseiro… Aliás, não imediatamente. Ele espera até os batimentos cardíacos, respiração e movimento dos olhos ficarem lentos, e os músculos, completamente relaxados. Nesse ponto, os latidos dos cães somem, o alarme que disparou se apaga, o grito estridente de 120 decibéis da ambulância, exigindo a liberação dos caminhos, emudece… E tudo silencia à nossa volta.
Diante dessa total entrega e incapacidade de reação, ele assoma e assume o comando. Não sem briga. Porque há dentro dele uma dualidade: de um lado, o lutador de jiu-jitsu, que é o desejo de extravasar; de outro, o lutador de muay thai, que é a censura querendo frear. No fim, ambos se unem, cada qual cedendo um pouco, numa política de boa vizinhança.

Entendeu o lance? O mestre dos disfarces é o sonho, que vem travestido, metamorfoseado, transmutado, maquiado, enfim digerível, para que possamos sobreviver às suas imagens. Até o próprio pesadelo passa por uma repaginada para ficar menos agressivo, menos apavorante, menos chocante.

É Freud quem garante isso. Inclusive, ele adverte que cada sonhador usa suas estratégias internas para aliviar os sonhos, cuja interpretação requer conhecimento das manhas da psique.

Por falar nisso, como sou doutora em “googlelogia onírica”, me sinto à vontade para ilustrar esse mestre dos disfarces…

Suponhamos que o consciente seja um trabalhador da empresa Vida. Quando termina seu turno, ele bate o ponto e é substituído pelo inconsciente, que acorda livre e apto para abrir o arquivo morto e jogar o material atemporal acumulado no ventilador. Aí entra a censura, que consegue fazer uma negociação para que a coisa não tramite de forma tão… traumática. Liberado, o inconsciente pinta então um quadro surrealista que nem Salvador Dali seria capaz de traçar, com mensagens quase óbvias, mas que podem ser apenas pegadinhas – Morfeu, a personificação do sonho, adora fazer joguinhos que só mesmo “hackers” da alma humana poderão rastrear.

Melhor terminar por aqui, antes que cassem meu diploma.