Desde muito cedo, a sociedade foi levada a crer numa sequência evolutiva. Parece que nascer, crescer, reproduzir-se e morrer compõem a naturalidade da existência como uma espécie de regra, impossibilitando maiores reflexões e/ou questionamentos. Contudo, as circunstâncias diárias que expõem a finitude humana colocam à prova o encadeamento “perfeito” da linearidade da vida. Ao longo da história, é comum que o ser humano se defronte com as mais diversas perdas: materiais, financeiras, físicas, profissionais, de posição social, de identidade, entre outras. Quando se trata da perda de uma pessoa querida, estar-se-á falando de uma experiência também dolorosa e que expõe a todos à própria impotência. Afinal, a morte é vista como fraqueza humana – aquilo que não se tem controle diante da sociedade em potencial.

Desde o momento da concepção até o da morte, a dor emerge como amadurecimento pessoal – provoca luto, pois rompe com uma sequência esperada e impõe mudanças rumo à reorganização. Tanto a prática clínica como pesquisas comparativas demonstram que a perda de um filho por morte, por exemplo, para a maior parte das pessoas, constitui um intenso, persistente e doloroso pesar – também por desviar o curso natural das formações e rompimentos. Para além da morte em si, há uma série de questões familiares que abrangem mudanças de hábito e rotina, papeis e funções, além do sistema de apoio entre seus membros. A morte de um filho está ligada, sobretudo, a perdas que carregam significados, como a oportunidade de compartilhar sua vida, seu futuro, suas alegrias, seu sucesso e mesmo a demonstração do seu amor. É como se as expectativas partissem junto de quem foi.

Um filho é representado pelos pais tanto genética como simbolicamente. Afinal, a intensidade na forma como os relacionamentos entre pais e filhos acontecem deriva de um conjunto entre a proximidade genética e as experiências anteriores de vínculos que foram aprendidos. Logo, o cuidar dos pais ao longo da vida, bem como as emoções emergentes da ruptura pela morte fazem parte de um processo que demonstra que o filho compõe a estrutura psíquica dos pais – o filho visto como à imagem e reflexo de seus pais. Logo, o risco de finitude exposto a um filho também representa a ameaça de sobrevivência destes pais, de forma simbólica, por meio de uma série de significados comportados pelos vínculos formados ao longo do seu desenvolvimento. A culpa sentida pelos pais, uma das reações mais comuns diante da perda de um filho, geralmente surge como percepção de falha ou descuido, como se algo diferente pudesse ter sido feito. Contudo, a morte é um evento inesperado e, por esta mesma razão, incontrolável. Em virtude disso, é importante estar ciente de que, dentro do possível, os pais sempre constituirão vínculos de segurança e amor, proporcionando o melhor dadas as possibilidades disponíveis. A dor surge como consequência do amor, mas pode ser, ao longo de um tempo individual, transformada em novas formas de recordar e permanecer próximo. Afinal, as funções de pai e mãe nunca morrem e ninguém nunca poderá rompê-las, nem mesmo a morte. O amor está muito além daqueles que não podem mais ser vistos em vida e o luto é um processo que pode ser ressignificado em novas possibilidades para viver.

Fonte: Franciele Sassi