O sapiens é mesmo paradoxal. Incoerente, contraditório, incongruente, patético. É capaz de gritar coisas insanas para mostrar sanidade e de calar para mostrar indignação. É capaz de mentir descaradamente e acreditar na própria mentira. É tão perspicaz em coisas diminutas e tão parvo em questões gigantescas. Nele habita o santo e o falsário: exige honestidade enquanto ele próprio é um poço de más intenções. Não é por nada que surgiu o provérbio “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

Nestes últimos tempos, esta dura realidade ficou mais visível, tanto na política, onde a corrupção não tem medida, como na sociedade, onde se clama por justiça e onde a corrupção começa. Eis o paradoxo que precisa ser corrigido. E a esperança reside na educação.

Mas esta mesma educação, fundamental para a mudança da sociedade – e agora o segundo paradoxo – é relegada a último plano, deixada “ao deus-dará”, enquanto o dinheiro do povo se esvai pelas tetas disputadas pelos rapinantes do poder.

Ah! O poder! O povo, quando quer, é capaz de produzir mudanças. Foi o que aconteceu nas semanas que passaram, em relação ao Santander-Queermuseu, cujas obras provocaram um levante das famílias brasileiras e incendiaram as redes sociais, que se sentiram ameaçadas moralmente. Mas esta reação é um contrassenso. Embora também não tenha apreciado alguns desenhos pela sua obviedade e inutilidade ao retratar sexo não convencional, acho que o movimento ressalta o terceiro paradoxo: uma overdose de moralismo diante de uma situação bem menos prejudicial a outras que a sociedade aceita passivamente. Refiro-me a certos programas de televisão que agem como uma verdadeira “Caixa de Pandora” aberta todos os dias nos lares brasileiros. Ou alguém tem dúvida do perigo real das novelas, que não apenas erotizam as crianças, mas que também ditam padrões de comportamento aos adolescentes, com suas histórias cheias de maldade, traição, violência, drogas e sexo quase explícito?! Sem falar no Big Brother, há quase duas décadas instalado de mala e cuia em nossas casas, com seus monólogos que giram no nonsense e diálogos sem conteúdo e cenas de relações sexuais oportunistas sob o conhecido edredom.

E se o leitor argumentar que “Em minha casa, mando eu! Só entra o que eu permito!”, não se iluda. Há coisas que a gente não controla, porque a vida não se restringe ao espaço que nossos olhos conseguem abarcar. Além disso, na Internet, circula livremente tanta porcaria sem que possamos impedir a sua propagação. Neste exato momento, o WhatsApp deve estar enviando – inclusive a você, leitor – muita sacanagem, que a maioria dos jovens compartilham.

E acontecem as baladas, cujos hits musicais, com suas letras chulas e profundo mau-gosto, seus ritmos frenéticos e sensuais, já ultrapassaram o limite dos bailes funks e escalaram as paredes dos quartos dos nossos filhos ou netos.

Realmente, estamos numa tremenda enrascada. Ou nos reinventamos ou sucumbimos em nossas próprias contradições.