Ontem à noite um cara veio a minha casa no intuito de captar algumas cenas para serem enxertadas em um vídeo sobre o mundo das letras. Encontrou-me sozinho, sentado à janela de meu pequeno escritório.
– Está admirando a paisagem noturna? – perguntou-me.
– Estou costurando desapontamentos – foi a minha resposta.
– Para um novo livro?
– Não, estou apenas sonhando acordado – murmurei.
Após uma pausa, ele examinou-me com cautela, para em seguida lançar sobre meus ombros um olhar pesado, que fundia o espanto à pena. Do modo como espigou as sobrancelhas, deduzi que sua mente ficou congestionada de pensamentos censuradores a minha atitude contemplativa. Desconfio que ele tenha me comparado a uma vaca sentada, ruminando ideias vegetativas.
Em criança, nunca que meus pais reprovaram o fato de eu ficar, aos sábados à noite, lá no meu Paredes, fitando o céu estrelado. Eu não me preocupava com o tamanho do universo, mas em medir seu encanto e trazê-lo para mais perto dos meus olhos.
Da noite, retirava clarezas.
Na adolescência, continuei a ajeitar o céu estrelado nos meus olhos para reequilibrar minhas emoções. Gostava de escutar o escândalo provocado pelo silêncio absoluto. Eu precisava do silêncio porque minha cabeça fazia muito barulho.
Foi por essa época que tive certeza de que o homem não estava sozinho no universo. Naquela solidão, que não era uma fuga, mas um encontro comigo mesmo, a noite me pingava uma estrela no olho e passava.
Hoje, o mesmo procedimento é repelido à chineladas. Os pais obrigam seus filhos a se manterem ocupados com todo tipo de atividades: escola, tarefas de casa, curso de inglês, academia, curso de informática e zilhões de etecéteras, entre os quais se coçar contra a própria vontade.
As crianças são instigadas, desde cedo, a desviarem-se da pungente tentação de buscar sua própria companhia. A solidão é considerada algo pernicioso, inútil e antinatural.
As próprias escolas colaboram para a formação de crianças “normais”. Ensinam que a realização passa pelo “ajustamento ao grupo”. Afirmam que para se tornarem empreendedores de sucesso, ou tanto seja vencer na vida profissional quando crescerem, devem cultivar o convívio social e o pragmatismo, acima de tudo.
Os adultos também não são diferentes. Quando não têm a companhia dos outros, buscam a companhia do barulho de um motor, o gemido do aspirador de pó, o mugido do apresentador do programa televisivo, as conexões das redes sociais, quer dizer, qualquer coisa que não os deixe com a desagradável sensação de estarem sós e perdidos no mundo.
A tendência posta em prática considera a fuga de si mesmo como uma vitória. O “eu” que se passa na mente, coração, espírito e imaginação de cada um, sem a interferência exterior, deve ser relegado a um segundo plano.
Depois de captadas as cenas, o cara ainda me perguntou com visível desdém:
– O escritor é um sonhador?
Forrei-me de silêncio por um instante para responder:
– Escritor é aquele que sonha os sonhos dos outros.