Boitatá é um personagem folclórico, de origem indígena, cujo nome significa Cobra de Fogo. Essa lenda foi trazida para o Brasil pelos portugueses, na época da colonização, sendo contada pelos padres jesuítas, sendo citado pela primeira vez em 1560 em um texto do padre jesuíta José de Anchieta.

Na língua indígena tupi, “mboi” significa cobra e “tata” fogo.

João Simões Lopes Neto escreveu a sua versão em 1913, a M’boitatá (Lendas do Sul), relacionada ao dilúvio.
Aproveitando as comemorações em torno da Semana Farroupilha, decidi transpor esta lenda para os dias de hoje.
Quer ouvi-la?
Em tempos idos, sobre os quais as gentes não guardam mais lembrança, houve uma manhã sinistra em que o mundo de Dendera não foi despertado, como de costume, pelo canto da saracura, ave que tem os verbos “sarar” e “curar” no próprio nome. Ave que tem um canto límpido, capaz de botar na sombra sabiás e canários cantadores.
O mundo de Dendera era dono daquele canto majestoso.
Mas o canto daquela manhã não foi o canto vibrante da vida, mas o da desolação completa. Foi o canto das motosserras que perseguiam árvores em fuga. Galhos espalhavam-se no chão com os ramos ainda vivos.
A saracura bem que tentou espantar as motosserras do lugar, porém foi um esforço vão.

Desperada, a saracura pôs seu canto à venda.
O cenário cortante arrancava uma dor aguda de carrapato ingurgitado dos moradores de Dendera, quando, de repente, um enorme tronco virou a Cobra de Fogo – também conhecida como Boitatá, maior do que a maior árvore da floresta.
Deu-se que Boitatá engoliu as motosserras todas antes de chamuscar os homens que as operavam. Sapecados e mijados de medo, os homens acionaram seus duzentos pares de pernas para fugir e nunca mais voltar.

Quem viu jura que o formato da língua do Boitatá é incrivelmente idêntico a um gigantesco sabre de ponta dura de motosserra.

O certo é que depois disso ninguém mais ousou cortar uma única árvore da floresta do mundo de Dendera sem plantar outra árvore no lugar.

Passado um tempo, o canto da saracura tornou a se repetir todas as manhãs no mundo de Dendera.
Talvez o canto da saracura se repita para sempre.