A possível redução de até 90% das normas de segurança e saúde do trabalho, anunciada pelo presidente Jair Messias Bolsonaro, é vista com temor pelo MTE regional; segundo o gerente da regional de Caxias do Sul, Vanius Corte, a aprovação da medida faria o país voltar aos índices de 1970, época em que apresentava os maiores números de acidentes de trabalho no mundo

Na última semana, por meio de sua conta no Twitter, o presidente Jair Messias Bolsonaro (PSL) anunciou que pretende rever todas as Normas de Segurança e Saúde do Trabalho — conhecidas como NRs. Com a intenção de “simplificar as regras e garantir maior produtividade”, o Governo Federal pretende reduzir em até 90% as normas vigentes atualmente.

Embora não tenha pontuado que normas pretende rever e de que forma seria feita essa redução (se no número de normas ou em seus textos), o enfraquecimento das NRs é visto com receio pelos especialistas do regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) de Caxias do Sul. Ademais de contrariarem a possibilidade de que a alteração possa garantir aumento na produtividade, a maior preocupação é de que os acidentes de trabalho sejam multiplicados.

Acidentes podem aumentar em 200%

A cada quatro horas e meia, um trabalhador bento-gonçalvense é vítima de acidente de trabalho. O dado é baseado nos registros do Sistema Nacional de Agravos de Situação (Sinan), que apontam 2.022 casos na cidade apenas em 2018, sendo que 215 deles são considerados graves.

Embora o número possa impressionar, a tendência, segundo gerente do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) de Caxias do Sul, Vanius Corte, é de que esse número seja multiplicado caso o corte anunciado pelo presidente seja efetuado. “A situação é desesperadora. Se for o que está sendo dito, é um retrocesso gravíssimo. Chutando baixo, esse corte nas NRs representaria um aumento de até 200% no número de acidentes”, exclama.

Opinião corroborada também pelo Procurador da coordenadoria do trabalho de Caxias do Sul, Rodrigo Maffei. Segundo ele, a redução das NRs configura um grande retrocesso social, com efeitos negativos à proteção da saúde e vida dos trabalhadores. “Os números já são alarmantes. Nos 49 municípios atendidos pela Cerest Serra (Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador), de 2016 a 2018 ocorreram 33.937. Não é com a redução de normas protetivas, que visam melhorar e tornar mais seguro o ambiente de trabalho, que vamos ter uma redução destes números, pelo contrário”, protesta.

“Foi uma comoção nacional quando criaram as NRs e deixamos de ser o 1º país em número de acidentes de trabalho, posto que ocupamos na década de 1970. Agora, somos o 4º. Com a possibilidade do fim das NRs voltaremos ao topo, certamente”, Vanius Corte

Atualmente o Brasil ocupa a 4ª posição em registro de acidentes de trabalho no mundo. De acordo com o Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho do Ministério Público do Trabalho, entre 2012 e 2018 foram notificadas 4,7 milhões de ocorrências no país, sendo 17.315 óbitos. A situação, porém, já foi pior. Durante o período intitulado “milagre econômico”, devido à precarização dos ambientes de trabalho, o país chegou a ocupar o primeiro lugar. Somente em 1976, ocorreram 1,7 milhões de acidentes, sendo que 3.900 resultaram em morte. Em 1978, o MTE, com o objetivo de padronizar e fornecer orientações sobre procedimentos obrigatórios relacionados à segurança e à medicina do trabalho, aprovou a criação de 28 NRs, hoje, já são 36.

Para além dos acidentes

Assim como explica Corte, as NRs são propostas por um consenso tripartite por parte do Governo, empregadores e empregados. Segundo ele, além de colocar em risco a vida dos trabalhadores, um possível corte nas normas seria prejudicial também às duas outras partes do acordo.

Corte pontua que, ao contrário do que é pontuado pelo Governo Federal, as NRs não prejudicam os empregadores ou o mercado. Garantem, na verdade, a competitividade e a segurança do operário e, consequentemente, do processo produtivo. “Na construção civil, por exemplo, as NRs obrigam a necessidade de instalação de guarda-corpo em toda área periférica, impedindo quedas. Isso é garantia para o trabalhador, mas também ao empregador, pois evitará a concorrência desleal. Se uma empresa investisse em segurança e outra não, quem não fizesse se daria melhor”, exemplifica.

Corte defende, ainda, que o aumento do índice de acidentes de trabalho pode ser um agravante econômico para o Governo. Cálculos do Ministério Público do Trabalho apontam que, nos últimos três anos, os gastos com doenças e acidentes de trabalho custaram mais de R$26 bilhões somente com despesas previdenciárias, ademais de 315 milhões de dias de trabalho perdidos. “Hoje já temos um custo absurdo com acidentes, imagina se enfraquecermos as regras de prevenção”, finaliza.

“Com a desregulamentação anunciada, teremos um aumento dos números de trabalhadores adoecidos, mutilados ou mortos em razão do trabalho”  Rodrigo Maffei