Número é referente apenas aos atendimentos de pacientes com sintomas da covid-19; Melissa Bonatto acredita que situação se agravou em razão de fatores como aglomerações no final de ano, férias e durante o carnaval, além das possíveis mutações do vírus

O número de casos e internações provocadas pelo novo coronavírus tem aumentado em todo o Rio Grande do Sul. Em alguns hospitais, a lotação em leitos de UTI já ultrapassou os 100% de ocupação. Em Bento Gonçalves, o que pode ser visto nas últimas semanas foi o crescimento expressivo da doença, provocando baixas hospitalares em pessoas mais jovens e idosas. No ambulatório de campanha, instalado junto à Unidade de Pronto Atendimento (UPA), a média diária de atendimentos chega a 300 após a explosão de casos.

A situação acende o sinal de alerta para as equipes de saúde que compõem a estrutura do local. Segundo a coordenadora da UPA 24h, Melissa Bonatto, as equipes foram preparadas para o enfrentamento da fase considerada a mais crítica desde o início da pandemia do novo coronavírus. Segundo a profissional foram ampliadas a quantidade de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem para suprir a demanda. De acordo com a coordenadora, o aumento no número de atendimentos no local chega a 300%. Ela destacou ainda que só em 2020, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), realizou cerca de mais de mil procedimentos, em decorrência da covid-19.

Com a modificação na estrutura do vírus causador da covid-19, Melissa relata que o perfil do paciente infectado pela doença mudou nos últimos meses, tanto para casos leves, quanto para os que necessitam de suporte médico intensivo. “Nós estamos passando no que chamamos de terceira onda do vírus. Bem diferente do primeiro, neste terceiro pico baixou muito a faixa etária. O número de atendimentos de adulto-jovens, entre 40 e 50 anos é o que está predominando. E não só em casos leves. Então, aquele perfil do paciente idoso, com comorbidades, não está acontecendo neste momento”, alerta.

Melissa acredita que as mudanças no padrão de infectados são provocadas pelas alterações das cargas virais, mas também, resultado das aglomerações das festas de final de ano, férias e carnaval, sem os devidos cuidados no distanciamento social. “A gente sabe que aconteceram aglomerações e desrespeito às medidas de distanciamento. Além disso, há mudanças das cargas virais. Não é só um problema nosso, como no mundo inteiro. É o adulto-jovem que está sendo acometido”, explica.

Segundo ela, a média de atendimentos na UPA 24h, em períodos de pico chegava a 500. No entanto, nas últimas semanas, o que se viu foi uma explosão de pessoas que procuraram a estrutura apresentando problemas respiratórios, muitos deles, provocados pela infecção da covid-19. “Nessa última onda, nós estamos fazendo de 800 a 900 atendimentos/dia. Sendo que desse total, 300 são de pacientes com sintomas do novo coronavírus”, relata.

Efeitos das medidas da bandeira preta serão sentidos daqui duas semanas

Com o descontrole da pandemia, o número de contaminados tende a aumentar, caso não haja o distanciamento social e o cumprimento de medidas como o uso da máscara, lavagem das mãos, utilização de álcool gel, entre outros. Para suportar a pressão no sistema de saúde, a coordenadora da UPA garante que a união entre as equipes é o suporte para seguir com o trabalho que não tem dia e nem hora para acontecer. Ela explica que as medidas mais restritivas impostas com a bandeira preta terão resultado em cerca de 12 a 24 dias. No entanto, cabe à sociedade seguir os protocolos para lograr êxito. “Esse efeito vai ser percebido a médio e longo prazo”, pontua.

De acordo com a coordenadora da UPA, uma pessoa infectada pela covid-19, que não realizar as medidas de isolamento social e estiver em aglomeração, pode contaminar, em 12 dias, 25 pessoas. Esse número, em mais 12 dias pode chegar a 625. E a contaminação não para por aí: em 36 dias, o número de infectados pode chegar a 15 mil. “As medidas hoje vão ser fundamentais para que a gente comece a baixar esses números. É fundamental que neste momento, as pessoas tenham a conscientização de que pode ser um familiar seu que vá necessitar de um leito de UTI e não tenha. O leito de UTI não é só ter um ventilador. Nós precisamos de toda uma equipe preparada, com materiais, hemodiálise, laboratórios de alta performance, médicos, enfermeiros, técnicos, fisioterapeutas, para poder atender adequadamente este paciente”, revela.

INFOGRÁFICO

“Profissional da saúde é ser humano e também se contagia”, afirma coordenadora

Estresse, alta carga horária de trabalho, disseminação de notícias falsas e o afrouxamento das medidas de distanciamento social foram alguns dos fatores que ocasionaram essa nova onda da covid-19. Equipes de saúde precisaram adaptar-se, cumprir horários de outros colegas que foram infectados e foram afastados do trabalho. Melissa explica que hoje, as equipes tem suporte psicológico e de saúde para conseguir enfrentar a batalha. “Profissional da saúde é ser humano e também e contagia”, enfatiza.

A situação se agrava ainda mais quando há carência de profissionais no mercado. “Hoje, a maioria dos integrantes das equipes tem dois empregos, onde chegam a trabalhar 80 horas semanais. Não é novidade que há escassez, principalmente na área de enfermagem”, observa.

Mesmo com o aumento excessivo de atendimentos e as constantes notícias falsas espalhadas nas redes sociais, que acabam prejudicando ainda mais a situação, Melissa destaca a importância do trabalho em equipe, da ciência e a consciência da sociedade. Pilares para vencer a pandemia. “Agora é momento de ficarmos com a nossa família, para que possamos voltar, num tempo breve, com as atividades rotineiras, entre elas, o retorno às aulas, a reabertura da economia. É uma questão de educação da população para que possamos o quanto antes retomar. Eu tenho a esperança de que este ano a gente consiga alcançar esse cenário”, acredita.  

Fotos: Ranieri Moriggi