De lenço azul na cabeça e maquiagem no rosto, Júlia Gujel, 14, inicia a conversa dizendo: “Eu venci o câncer de ovário”. É assim que ela define a sua batalha contra o tumor, considerado um dos mais letais e que mata cerca de 140 mil mulheres por ano no mundo, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). A adolescente, que não tem histórico familiar da doença destacou dois pontos que ajudaram a seguir com o tratamento médico: apoio da família e a fé inabalável. Após passar por cerca de oito meses entre idas e vindas a hospitais, Júlia sonha em ser voluntária da Liga de Combate ao Câncer e escrever um livro, contando sua história.

Anualmente, 250 mil novos casos são diagnosticados no mundo e a estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca) é que no Brasil sejam, aproximadamente, seis mil. Mesmo afetando mulheres acima dos 55 anos, a adolescente, moradora de Bento Gonçalves, conta que, numa tarde, brincando com uma amiga teve fortes enjoos e acabou desmaiando. Logo, a mãe, Maristela Gujel, tratou de reanimá-la. Foram vários dias com os enjoos e febre alta. “Não era normal ficar enjoada tanto tempo assim e ainda mais febril. Decidi levar a Júlia para o hospital e lá, ao relatar os sintomas, a médica logo tratou de examiná-la, localizando uma massa bem espessa na barriga. De imediato, fomos direcionados ao setor pediátrico de um hospital em Caxias do Sul. Após os exames, os médicos realizaram a cirurgia, retirando uma massa de 28 centímetros, que pesava mais de quatro quilos, além de seis litros e meio de um líquido. Era um tumor maligno e já estava no grau três, considerado um dos mais graves”, conta.

Maristela revela que ao receber o diagnóstico ficou sem reação, pois naquele momento, só pensava na recuperação da filha. “Foi tudo muito rápido, pois chegamos ao hospital e a Júlia já foi para o bloco cirúrgico. Quando acabou o procedimento, fui encaminhada para uma médica oncologista, porém, não havia caído a ficha”, lembra. Júlia, por sua vez, ao saber da doença, decidiu encará-la. “O que a gente faz nessa hora? Eu pensei em viver. Nunca passou pela minha mente baixar a cabeça para o câncer. Ele não ia me vencer. Quando o paciente é positivo, tem fé, bom astral, geralmente vai ter bons resultados. Mesmo com o diagnóstico, sabendo que iria passar por um longo caminho, tentei encarar com tranquilidade. Foi difícil, mas eu consegui”, afirma.

A mãe, emocionada, lembra o momento em que precisou conversar com a menina sobre o problema. “Como é que você vai falar para a sua filha, de 14 anos, que ela está com câncer? Ficamos a sós e a questionei sobre o que estava pensando disso tudo. Ela surpreendeu-me dizendo: se eu estou com câncer ele não vai me vencer! A força partiu dela. Eu não sei de onde ela tirou essa coragem”, lembra.

O tratamento

Ao iniciar as sessões de quimioterapia, Júlia já sentiu os primeiros efeitos colaterais. Muitas vezes, passava a maior parte do tempo no banheiro, pois os enjoos eram fortes e frequentes. Ela lembra que por causa do tratamento, precisou ficar por vários períodos internada. A mãe ressalta o apoio da Liga de Combate ao Câncer de Bento Gonçalves, que ofereceu o suporte de psicólogos, enfermeiros, aporte financeiro para a compra de medicamentos. “Sem o auxílio desta entidade, eu não imagino de onde poderíamos tirar dinheiro e força para seguir, porque essa doença tira tudo da gente e a Liga foi indispensável na cura da Júlia”, afirma.

A menina, por sua vez, disse ter ficado assustada com a doença. Para ela, o pior momento foi ao raspar a cabeça para o início das sessões de quimioterapia. No entanto, ela garante que desde o primeiro dia evitou os pensamentos negativos. “Sempre tive a consciência de que conseguiria vencer a doença e não poderia me colocar para baixo em momento algum”, comenta.

Além da quimioterapia, a menina precisou enfrentar outro obstáculo: a perda de amigos para a doença. “Com o tratamento, fiz muitas amizades e algumas delas não conseguiram vencer a batalha. Mesmo triste pela partida deles, eu sabia que muita gente estava junto nesta luta, querendo vencer”, lembra. “Mesmo na adversidade, a gente sempre tentava mostrar um lado positivo na situação”, afirma Maristela.

A jovem conta ainda que precisou deixar de ir à escola, mas continuou com os estudos em casa. “Não parei minha vida em momento algum. Não podia ir à escola, devido à imunidade baixa, mas estudava em casa. Além disso, meus professores e colegas passavam o conteúdo diariamente e procurei ocupar minha cabeça lendo muito, pra não pensar na doença”, lembra. A mãe, orgulhosa, conta que Júlia passou de ano por méritos próprios, fazendo as provas em casa, sem o auxílio dos livros.

Apoio familiar e a fé

O diagnóstico de um câncer provoca reações diferentes no paciente e em seus familiares. Por tratar-se de um assunto totalmente novo, é comum que as pessoas fiquem assustadas e não saibam como lidar. Em diversos casos, o diagnóstico pode afastar amigos e até mesmo familiares. Também há pacientes que se isolam e evitam conversar com aqueles que estão abertos a ouvir e ajudar, caso seja preciso. Não foi o caso de Júlia. Ela diz que sempre esteve rodeada por familiares e amigos. “Isso que me fortaleceu para continuar pensando positivo e vencer esta batalha”, afirma.

Para a psicóloga Shana Dalle Laste Queiroz, as pequenas atitudes podem provocar grandes efeitos positivos. “O carinho e a atenção das pessoas mais próximas já ajudam a enfrentar o momento. Amigos e familiares devem fazer o possível para ajudar a manter a qualidade de vida do paciente com câncer, possibilitando atividades que costumavam fazer antes da doença”, afirma.

Segundo a psicóloga, acreditar no tratamento, no médico, em si mesmo e na recuperação é extremamente importante e pode ajudar, inclusive, no resultado e na cura de diversos problemas. A fé pode ser uma grande aliada da saúde, faz bem para a imunidade, melhora a resposta a processos de quimioterapia ou radioterapia, por exemplo, e ainda pode ajudar a combater depressão e a ansiedade. Shana afirma que ter uma religião promove bem-estar psicológico, menos pensamentos e comportamentos suicidas. “A fé, independente da religião, se torna fator de grande importância no tratamento dos pacientes. Tudo que nos faz ter força para encarar as dificuldades e obstáculos que a doença traz ao paciente é bem-vindo. Vários estudos já comprovam que pessoas religiosas, apegadas a fé neste momento, enfrentam melhor o câncer do que aquelas do que não possuem. Isso, muitas vezes, pode ser um grande diferencial durante o enfrentamento”, afirma. Júlia é devota de Nossa Senhora do Caravággio. Ela diz que durante uma de suas idas ao hospital, deitada na maca da ambulância, conversou com a santa, e que ouviu a mensagem que “seria um caminho muito sofrido, mas que ela voltasse ao santuário, em Farroupilha, pois seria curada”. E assim que recebeu alta médica, a jovem voltou à Farroupilha para agradecer.

Batalha vencida e planos futuros

Com sua atitude otimista, Júlia não deixou que o câncer tomasse conta da sua vida. Após oito meses de tratamento, os médicos deram a melhor notícia que a menina poderia ouvir: estava curada. Agora, pelos próximos cinco anos, ela deverá manter o monitoramento com exames periódicos. “Essa batalha está vencida. A pior parte eu consegui superar. O mais importante de tudo é aceitar a doença. O fardo parece que fica mais leve”, enfatiza.

Durante o tratamento, Júlia observou atentamente o trabalho voluntário de pessoas que passavam para dividir a experiência vivida como pacientes que trataram da doença e ofereciam apoio num momento tão delicado da vida. Hoje, curada do câncer de ovário, ela sonha, um dia, em ser integrante da Liga. “É um trabalho que não tem preço. Com certeza vou ser uma voluntária, em breve”, afirma.

Outro desejo da adolescente é escrever um livro sobre a experiência vivida nesses últimos meses. O objetivo é oferecer suporte às pessoas que passam pelo mesmo problema. “Para escrever eu precisava ter uma história e agora eu tenho a minha”, finaliza.