Os dois principais pedidos são o asfalto da principal estrada de acesso, já prometido pelas autoridades, e a mudança na rede de eletricidade, de monofásica para trifásica, para facilitar a vida dos agricultores

A Linha Demari fica a 20 quilômetros do centro de Bento Bento Gonçalves, uma região marcada pela viticultura e pela existência de muitos parreirais. Os moradores reivindicam por melhorias há anos, entre elas a alteração na eletricidade distribuída e a pavimentação asfáltica da estrada. Os pedidos estão diretamente relacionados à produção da uva, o asfalto para melhorar o escoamento e transporte até as vinícolas, e a mudança da energia distribuída para o sistema trifásico, a fim de permitir a utilização de mais equipamentos na lavoura.

Falta de asfalto e mudança na eletricidade do local são as principais reinvindicações

Janderson Favaretto tem 31 anos, tem grande carinho pelo lugar onde nasceu, principalmente porque dali é que tira seu sustento. Entretanto, acha que já é hora de as mudanças reivindicadas serem atendidas. “Gostaríamos muito de ter asfalto. São muitas famílias que produzem uva por aqui, o asfaltamento ajudaria principalmente a escoar a safra. Mas a entrada em si está boa, falta só o asfalto para melhorar”, diz. O sistema trifásico ainda não chegou à Linha Demari, e manter uma câmara fria com energia monofásica quase impossível. “A luz cai quase todo o dia, ou ficamos dias seguidos sem”, reclama.

Segundo Favaretto, a produção de uva é bastante significativa na região. Neste ano, porém, os agricultores estão enfrentando problemas pela quebra da safra, resultado causado dos longos períodos de chuva. “Saem milhões de quilos de uva da produção daqui. Agora está sendo diferente, fiz meia safra por causa dos fungos surgidos em razão da chuva. Teve gente que perdeu tudo. Não passamos por isso, mas em muitas das minhas parreiras deu o fungo direto no cacho. Tentei fazer o tratamento mas não deu certo. Tratava um pedaço um dia, no outro chovia e não dava para cuidar de tudo”, relata.

Janderson Favaretto argumenta que, se a uva fosse mais valorizada, os jovens não deixariam o interior

Sobre o abandono da atividade rural pelos jovens, o agricultor entende que a opção de mudar para a cidade está diretamente ligada à falta de valorização do trabalhador do campo e do baixo preço fixado para o quilo da uva. “Tem alguns que permanecem, mas têm muitos indo embora. Quando tiver uma oportunidade, também vou. Procuramos sempre estudar, e trabalhar, mas não somos valorizados, ainda mais porque trabalhamos com uva para suco. Se a valorização fosse maior, jamais desistiria daqui”, afirma.

Joacir Machioro tem uma história parecida. Vive na linha desde que nasceu e trabalha com a produção de uvas, seguindo os passos do pai. “Nasci e me criei aqui, é um lugar calmo e bom de morar. Não tem muitas pessoas, mas todas que vivem são certas, justas, trabalhadoras e honestas”, garante. Para ele, antes mesmo da eletricidade trifásica ser implantada, é necessário melhorar as estradas, com o asfaltamento prometido. “O que precisamos mesmo é o asfalto, nossa linha tem muita produção e lutamos há anos por isso. Melhoraria muito, até mesmo em termos de turismo, porque ninguém quer passar em estrada de chão”, realça.

Falta incentivo para os jovens permanecerem

Nascida em Veranópolis, a dona de casa Vanise Demari, de 39 anos, não poupa elogios para o lugar em que vive. “Moro há nove anos na linha. Antes morava em Veranópolis. O lugar é bom, tranquilo, o pessoal é muito trabalhador”, frisa. O marido de Vanise é produtor de uvas, assim como a maioria dos moradores da localidade. “O pessoal daqui trabalha muito com parreira, praticamente não produzem outra coisa. Mas tem vacas, galinhas, horta, tudo para o consumo próprio. Mas a produção e venda mesmo é das parreiras”, indica.

Para ela, são necessárias algumas mudanças para que o local possa se desenvolver e beneficiar os moradores. “O que falta é o asfalto, que ajudaria muito. Tem bastante famílias aqui, tem desenvolvimento, e nessa fase da safra o pessoal transporta muita uva, porque produzimos muito. estrada melhor seria ótimo”, entende.

Além do asfalto, outra dificuldade tem a ver com a energia elétrica, que é mais fraca por conta do sistema monofásico. “Precisamos de melhoria na rede elétrica. Na rede monofásica, alguns motores não têm bom desempenho e temos que usar outros motores. Falta muita luz, também, porque as árvores crescem e os galhos derrubam os postes, é complicado”, comenta.

Vanise revela outra percepção sobre a permanência dos jovens no meio rural, dizendo que as mulheres são as que menos ficam nas propriedades, e que os homens é que assumem o trabalho na agricultura. “Tem mais jovens que ficam do que vão embora, mas noto que os homens são os que mais permanecem, justamente por ser um trabalho mais pesado. Vamos incentivar a nossa filha a estudar, nós não pensamos em segurá-la aqui. Se ela quiser tudo bem, mas estamos nos programando para que estude e escolha a profissão que mais lhe agrade”, considera.

Claudiane Trevisan morava no bairro Zatt, na Zona Norte de Bento Gonçalves, e há oito anos passou a morar com o pai, no interior. “Gosto muito de viver aqui, sempre digo que é um paraíso. Não tem barulho, sirene, pessoas, só o mato mesmo e os passarinhos. Desde criança sempre quis morar para fora, e como não consegui emprego na cidade, vim trabalhar nas parreiras com meu pai”, explica.

Assim como os outros moradores, a jovem, de 26 anos, fala da necessidade de melhorar as condições da estrada e reclama da poeira que, diariamente, prejudica todos que moram próximos das estradas. “Precisamos ter asfalto, a casa está sempre cheia de pó, e a estrada ruim prejudica o escoamento da produção também. Além disso, nossa saúde acaba ficando comprometida, ainda mais para quem tem alergias”, comenta.

Claudiane, ainda fala da desvalorização do principal produto da região. “Outra necessidade que temos é o aumento no preço da uva, porque acabamos recebendo o mesmo valor que é pago para quem trabalha na cidade. A diferença é que é tu quem faz o teu horário no campo. A nossa safra não está dando muita uva e quando vem é fraca. Estamos pensando positivo porque poderia ser pior, tenho até medo de reclamar e vir um temporal que destrua tudo”, diz.

Delci Demari, 79 anos, viúva há 15 anos, é agricultora e vive na linha desde 1962. “Nasci na Linha Alcantara, depois morei em Cotiporã e aos 17 anos me casei e vim morar na Linha Demari. Gosto muito daqui, é bom, tenho meus familiares pertinho de mim”, lembra.

Delci Demari se diz preocupada com a rede de distribuição de
energia e conta que os postes estão quase caindo

Durante muitos anos ela e o marido foram produtores de uva, mas depois de perder o esposo e devido ao avanço da idade, Delci precisou contratar mão de obra. “Sou agricultora, trabalho com uvas, atualmente tenho dois funcionários que cuidam de tudo para mim. Antigamente plantava outras coisas, mas depois que fiquei sozinha, era muito trabalho para dar conta. Quem cuida é um casal bem legal que contratei e me ajuda muito já que meus filhos foram todos embora, para estudar. Não temos muitos jovens por aqui, só alguns sobrinhos meus decidiram ficar e se dedicar ao campo”, destaca.

Além dos parreirais, Delci diz que muito do que é plantado serve para o consumo próprio das famílias, uma forma de economizar. Assim como outros moradores, ela se preocupa com os dois fatores mais lembrados na região. “As estradas necessitam de melhorias, eles prometeram que iriam e só colocaram asfalto em um pedacinho. E a luz, que estamos até hoje esperando a trifásica. Acabamos ficando três dias sem energia, e isso nos prejudica muito. Sem falar nos postes que estão quase caindo, mas eles só trocam depois que cai”, assegura.

Nair Nunes, nascida em Bento, morou em Porto Alegre onde era enfermeira, e após se aposentar passou a viver na Linha Demari cuidando de duas pessoas. Nos 22 em anos em que mora na linha, passou por algumas situações, como um assalto ocorrido há quase duas décadas. “Já fomos assaltados, não por moradores daqui, mas quem vem de fora, isso já faz 18 anos. Tirando isso é um lugar muito tranquilo, temos água natural, internet, os vizinhos, poucos que temos, são bons. A comunidade quando faz festa é boa, temos a capela lá no fundo e o cemitério”, destaca.

Nair Nunes, após 22 anos morando no lugar, apelidou a Linha Demari, carinhosamente, de “meu pedacinho de céu”

Nair é outra que elogia o lugar. “Chamo aqui de meu pedacinho de céu, quando é primavera é tudo florido, na época da vindima, tudo cheiroso por causa da uva. Não tem barulho, se dorme tranquila, temporais afetam muito pouco por conta das montanhas e do vapor do rio”, aponta.
Depois que o marido morreu, ela passou a viver sozinha na casa. “Fiquei quase dois anos só, criava minhas galinhas, e nunca ocorreu nada de ruim comigo. Isso se deve ao fato de as pessoas que moram na volta serem muito boas. O que realmente falta para nós é asfalto e transporte público, como um ônibus ou uma van, pois só as crianças têm acesso estas formas de locomoção. Poderiam estender todas as linhas próximas”, sugere.

Assim como outros moradores, Nair observa que os homens mais jovens são os que decidem ficar na localidade, enquanto as mulheres acabam trilhando caminhos na cidade. “Mesmo com as crises climáticas, não vejo ninguém desistindo das uvas. Mas as meninas não permanecem e, se ficam, trabalham em Bento e vão e voltam todos os dias. Se você faz artesanato, não tem para quem vender. Se vende ovos, aqui não há mercado, porque o vizinho também tem. E são poucas pessoas”, completa.