Ele é baixinho, magrinho e tem olhão que capta até os movimentos mais sutis da sala. Embora pareça uma criatura conectada com planetas distantes, ele está sempre de antenas ligadas. Quando sorri, luzinhas de Natal se acendessem dentro da alma da gente, e tudo fica maravilhoso. Ele escolhe o momento certo para dizer as três palavrinhas mágicas – eu te amo – que desarmam qualquer boa intenção de contrariá-lo. Mas para ensinar, a paciência dele tem um limite: o erro. Tolerância zero para perguntas que ele entende serem “idiotas”, já que as respostas lhe são óbvias. Repetir explicações? Não o irritem, por favor!  Mas como boa aluna que sou, dia desses tentei seguir o caminho indicado por ele, através de seu mais recente dialeto: inglês de ouvido.

-Agora, você. Vai! Nãaaaaaaoooooo… Assim tu morre! Te esconde embaixo da cama, de-va-gar… Se tiver um animatrôni, foge. Não é do Mánicrefeti. Entendeu? Esse é o faivinaiéfreri. Ele tá escondido no escuro. Tu tem que sobreviver cinco noites… CUIDADO! A FOCSSI! Ué, a Focssi é uma raposa do mal. Tá ouvindo a respiração dela? Espera… Não acende a luz da lanterna ainda…  Ela tá no armário… Cuidado… Tu não tá vendo nada porque ela tá invisível. FECHA A PORTA DO ARMÁRIO… VOCÊ MORREU, VÓ! Eu te disse que tem que esperar até a luz piscar. Vamos jogar um mais fácil. O oscartitcher. Não é o professor Oscar, vó! É a professora malvada. Você tem que irritar ela e fugir. Pega a escada… Ah! Pronto! Agora você não vai mais mudar de nível. Tem que ficar de olho nesse quadradinho, onde aparece a maluca.

Desisto.  Atendendo ao seu pedido, fico vendo suas peripécias pelos joguinhos infantis de terror, que o fascinam tanto. Ele ainda me pergunta se quero capturar sei lá quem ou fugir de não sei quem. Fala numa tal de Greny que tem um bastão e luta com a Eslendrina. De repente, navega em Robinhudgueimer.

-Oba! Robin Hood! Este eu conheço. Ele rouba dos ricos para dar aos pobres.

-Não, vó! Ele é do mal!    

Que coisa! Eu queria dizer a ele que a vida não é um jogo onde o bem e o mal estão em eterna disputa pra ver quem é que ganha. E que morrer não é tão simples. Mas não tenho tanta convicção, e meu professor sempre percebe quando vacilo. Então resolvo acabar com a festa macabra e peço que me devolva o celular, justificando que já é hora de ele fazer atividades físicas. A resposta, na ponta da língua, acaba com meus argumentos:

-Eu tô fazendo exercícios, vó! Olha pra meus dedos!