O meu melhor amigo é um grande filho de um cabeça-de-bagre.

Atrevido como só ele, meu amigo não me envia e-mail, mensagem via celular e sequer se manifesta nos meus aniversários. Tudo o que faz é me ligar no dia seguinte e me encher como se eu fosse uma caixa d’água por não tê-lo convidado para a festa, mesmo sabendo que eu não suporto festa de aniversário.

O meu melhor amigo é um grandessíssimo de um intrometido. Ele não está nem aí se eu estou me quebrando de tanto trabalhar. Simplesmente me joga na cara que estou me tornando um workoolic insuportável e que eu deveria criar vergonha e reservar um espaço de tempo para jogar conversa fora, como forma alimentar a nossa velha amizade.

O meu melhor amigo é um tremendo de um inconveniente. Por esses dias criei coragem e decidi mudar meu corte de cabelo estilo cortina dividido ao meio, adotado ainda em criança. Mudei para um corte mais descolado, sem contornos muitos definidos. Assim que me viu com o novo corte, meu amigo não teve dó e disparou:
– Como deixou que fizessem isso com você? Diga quem foi o tosador que vou lá e dou uma surra nele?

O meu melhor amigo é um grande boca-aberta. Estávamos passeando por uma galeria movimentada e eu avistei um relógio na vitrine que me impressionou. Ao entrar pela porta para conferir mais de perto, dei uma topada daquelas no vidro. Após certificar-se de que eu continuava inteiro, ele simplesmente aderiu ao cordão que se formou ao meu redor e desatou a rir de segurar a barriga.

O meu melhor amigo não me enche de loas, dizendo que eu tenho o dom da escrita e que se continuar insistindo provavelmente serei um novo Camões. Ao contrário, ele olha bem no fundo dos meus olhos e diz:
– Vá curar sua dor-de-cornos na mesa de um bar e não numa escrivaninha.

O meu melhor amigo é um descarado. Toda vez que vem me visitar nunca age como uma visita normal que chega com presente debaixo do braço. Ele chega de mãos abanando, chuta meu cachorro porque pulou nele e sujou sua roupa, abre o refrigerador e me xinga:
– Só tem caixinha de suco sabor de pêssego e nenhuma garrafa de vinho nessa droga de geladeira?
O meu melhor amigo é um conselheiro às avessas. Ao passar por uma dessas balanças de farmácia que ficam junto à porta, ele brinca:
– Não pise nisso aí para não chorar.
O meu melhor amigo é um tremendo de um enxerido. Se ando meio cabisbaixo, ele enfia a mão na minha goela e me obriga a por para fora tudo o que eu tenho engasgado.
– Pare de ruminar e diga que está acontecendo com você?

O meu melhor amigo não faz questão alguma de concordar com as minhas opiniões. Se insisto em ir em frente com as minhas convicções imbecis, ele junta uma bandeja de bolo e pá na minha cara. Meu melhor amigo e eu vivemos batendo boca para provar que temos razão e no final saímos abraçados e às gargalhadas.

O meu melhor amigo não é só meu melhor amigo. É também meu psicólogo que me ouve por horas e me ajuda a arrumar umas gavetas desorganizadas do meu coração. É meu advogado que me defende de todo mundo nas questões em que faço por merecer a sua defesa. Também é meu professor que me dá umas lições de moral e civisimo, de vez em quando. O meu melhor amigo conhece minhas fraquezas e os meus defeitos e, apesar disso, continua sendo meu melhor amigo.

E a nossa amizade segue mais sólida do que uma igreja.