Empresário do setor de gastronomia fala sobre as origens, os aprendizados obtidos com seu pai e na participação em entidades representativas, as dificuldades enfrentadas no decorrer da sua trajetória, bem como os novos projetos

Um bento-gonçalvense que tem garra e força de vontade para superar as adversidades. Da vida no interior, crescendo em meio às frutas, verduras e legumes, surgiu um empreendedor, que a cada dia busca inovar e acredita no potencial de suas ideias. Apoiado por uma base forte, sustenta seus sonhos e objetivos com a ajuda da família: os pais Zelavir Paulo Giordani e Dulci Castoldi Giordani, os irmãos Claudia, Paulo, Vitor e Paula, e a esposa Catiane. Assim é Marcos Giordani, empresário do Giordani Gastronomia e da Bodega Ottone, que inaugurou sua segunda filial na noite desta sexta-feira, 3 de dezembro, no bairro Planalto.

Origens

Nasci em Bento Gonçalves. Minha família é de imigração italiana. Quando meus tataravôs chegaram à Serra Gaúcha, o Lázaro e a Rosa Giordani, eles ficaram no lote de número 27, que é nosso até hoje. Meu bisavô e meu avô tiveram serraria. Foi meu pai que migrou para a agricultura e, desde pequeno, estive nesse meio. Ele iniciou com videiras e trabalhou em uma vinícola. Depois, começou a produzir outras coisas além da uva. Na época da minha adolescência, já estávamos na fase de trabalhar com frutas e hortaliças. Meu pai atuou como feirante por 35 anos, sendo um dos primeiros a comercializar na feira do produtor no centro da cidade. Após, ele foi convidado a participar da feira no Cassino, e viajava para lá semanalmente e por muitos anos ele foi a banca de número um naquele local. Esse foi o nosso forte por muito tempo. E assim foram uns sete, oito anos – os últimos que pude ir – até chegar a hora de abrir o restaurante.

A virada de chave

Digo que a virada de chave na minha vida foi por volta dos 12 anos, quando comecei a trabalhar com compromisso na agricultura. Tínhamos parreiras, plantávamos uva, pêssego, ameixa, hortaliças, enfim, uma variedade de itens. Tudo era comercializado nas feiras, na distribuidora do meu irmão e para supermercados. Fiz isso até os 23 anos. Antes disso, meu pai, já visualizando o aumento no fluxo de turistas no Vale dos Vinhedos e pensando na aposentadoria, decidiu montar uma lojinha e vender produtos coloniais. Após algum tempo e com algumas reformas na casa antiga onde ele nasceu, foi montado um café colonial e uma loja para venda de produtos regionais. Era para ser simples, onde você comprava o queijo, o salame, o pão e sentava na mesa comer, mas não deu certo, pois o turista já vem para cá com outra perspectiva, ele já quer sentar, ter tudo prontinho e acabou que a gente aprendeu aos poucos, trabalhando. Naquela época, ainda trabalhava tanto na agricultura quanto no restaurante e não estava conseguindo me dedicar a nenhum dos dois. Foi aí que meu pai me chamou para conversar e perguntou o que eu realmente queria. Nesse momento, acabei optando somente por um nicho e decidi que ficaria à frente do restaurante. A intenção foi focar, transformar, atender com qualidade, padronizar o serviço. Um amigo do meu pai, que já trabalhava como garçom, ensinou o que ele sabia. Daquele dia em diante, mantive o padrão que permanece até hoje.

Empreendimentos

Foi dessa forma que nasceu o Giordani Gastronomia Cultural, no começo, servindo café colonial e almoço, e depois somente almoço. Porém, eu queria mais. Passado algum tempo, para atender a fila de espera do restaurante, criamos a Bodega Ottone – que leva o nome de meu avô na denominação -, em 2019. Fica na mesma área, mas em ambientes diferentes, tanto que o cliente até pode ser o mesmo, mas ele estará em momentos distintos. Em 2020, mesmo com a pandemia, ocorreu a expansão do negócio. Em abril, meu pai acabou fechando um bar que tinha no Cidade Alta e foi aí que coloquei mais um espaço da Bodega Ottone, o segundo. Na pandemia, também dei o start para a comercialização de massas e molhos, que são vendidas especificamente para o varejo. Agora, em 2021, surgiu a oportunidade de expandir ainda mais e inauguramos uma outra Bodega, desta vez no bairro Planalto, na Via Gastronômica. O espaço comporta cerca de 140 pessoas e vem de encontro ao Giordani Gastronomia, mas com novo nome e com projeto de expansão. O objetivo é replicar esse modelo de negócio Brasil afora. Em todos os empreendimentos, emprego direta e indiretamente mais de 50 pessoas.

Traços que guarda da vida no interior

Sou uma pessoa muito simples. Uma coisa que aprendi e que vem de berço, é a questão de honestidade. Meu pai cobrava muito isso, tanto que quando tive dificuldades financeiras, em 2019, consegui resolver os problemas sendo honesto com todos os meus fornecedores, pois 90% deles são os mesmos desde o início. Se não fossem eles, não estaria no patamar que estou hoje. Então, tudo que temos e que aprendemos vem da educação em casa. Eu, por exemplo, não tenho graduação – até tentei fazer Gastronomia, mas não finalizei. Minha faculdade foi a vida. O que aprendi com meus pais vale muito mais que uma faculdade. Meu pai sempre prezou a honestidade, a sinceridade, o compromisso com as coisas. É isso que nos faz crescer, ganhar credibilidade e respeito.

Mão de obra

Existe uma dificuldade enorme em conseguir mão de obra. Estamos tentando encontrar, junto com o Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria Região Uva e Vinho (Segh), uma escola parceira para implantar um modelo de curso como o de carteira de motorista. Por exemplo, fazer aulas teóricas em poucos dias, e logo em seguida migrar para as aulas práticas, pois é aí que se aprende. Na sala de aula vai ter o básico, e depois vai fazer uma espécie de estágio em algum empreendimento parceiro e que apadrinhe esse profissional, que dê a oportunidade. A ideia é fazer algo parecido com o Senai, porém, claro, muito mais enxuto. Por exemplo, custa tanto para o garçom fazer o curso, então eu, empresário da Giordani Gastronomia, vou apadrinhar dois. Pago o curso, a pessoa faz o estágio no empreendimento, vivenciando o dia a dia e, consequentemente, se ela se sair bem, a empresa já vai segurar. Todo mundo gosta da ideia, mas ninguém assume a responsabilidade de fazer. Essa seria a proposta, uma alternativa para essa carência no mercado, mas tem que amadurecer.


Vale dos Vinhedos e infraestrutura

O Vale dos Vinhedos tem um potencial gigantesco, está muito visado hoje, mas em contrapartida temos outros problemas. Até discutimos, em reuniões da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale) que futuro vamos ter se continuar desse jeito, pois tem-se uma expectativa de construção de quase duas mil unidades habitacionais no Vale ou nas proximidades nos próximos dez anos. Consequentemente, vai aumentar o número de turistas pela região. Hoje, se você pegar um final de semana no Vale dos Vinhedos ou um feriadão, muitas vezes não se consegue trafegar. O que falta? Um recuo, uma estrada um pouco mais larga. A dona de um hotel na localidade, desde que ela fundou o empreendimento, está lutando pela ciclovia. São 14 anos, mas nunca sai. Entretanto, até que ponto somente a ciclovia resolve o problema? Ela será destinada para quem está de bicicleta ou até mesmo caminhando. Porém, continuamos com problema de tráfego. Já está no limite. Isso ainda não está refletindo tanto, mas vai ser um problema gigantesco à frente. Agora, com a municipalização, as coisas vão melhorar. Claro que a gente precisa que o Poder Público Municipal faça um bom projeto para alargamento de faixa. Acredito que nesse momento, deve-se achar soluções, muitas vezes elas podem não ser perfeitas, mas vão auxiliando e sendo melhoradas com o tempo. Outra coisa que carecemos no Vale é a diversificação, pois temos mais do mesmo. O que abre lá, é espaço aberto, pousadas e é necessário, sim. Mas para as crianças, não tem nada. Sei que o Vale tem outra pegada, é vinho, vinícolas, gastronomia, mas tem que ter uma opção familiar, que agregue todas as faixas etárias.

Incentivos

Um problema gigantesco no Vale dos Vinhedos é a venda de propriedades. Hoje, todo mundo quer vender para ganhar determinado valor. Acredito que devemos pensar uma forma de incentivar a permanência das pessoas da comunidade na localidade. Para isso, precisamos de iniciativas, principalmente de entidades. Que algumas delas possam ajudar a formatar um plano, um treinamento, para mostrar para as pessoas que é inviável elas venderem e que vão ter muito mais resultado fazendo o básico que sempre fizeram. Sempre digo, se tu fixar na tua casa uma plaquinha com os dizeres: pão de forno e geleia caseira, é o suficiente. O turista quer isso, quer levar para casa o pão da nona fresco, e é isso ele encontra por aqui.

Turismo na cidade

Quantos destinos turísticos temos aqui em Bento? São quatro: Vale dos Vinhedos, Caminhos de Pedra, Rota das Cantinas Históricas e o Rio das Antas. Se temos quatro destinos, precisamos de um quinto e acredito que está encaminhado. É a Via Gastronômica, que já existe, mas que precisa ser consolidada. As pessoas devem enxergar que também é um destino turístico. Esse é um passo muito importante para a região. Hoje, se pensarmos nas demais rotas, você vai para lá durante o dia, mas o turista e as pessoas locais também precisam da vida noturna. O Vale pode até estar iluminado, mas tu precisa trafegar muito de um estabelecimento para outro, então, para que forçar algo que é tão difícil de fazer, se já tem na cidade? É só melhorar. No caso do centro, acredito que é válido mais para se fazer um city tour, e não para a vida noturna. Ao meu ver, tem potencial turístico em todos os cantos da cidade, só tem que aproveitar. Entretanto, tem que ter políticas de incentivo, para que se criem coisas novas em diferentes locais e que as pessoas olhem isso com outros olhos.

Projetos turísticos da região

Quanto mais coisas a região tiver, mais o turista vai ficar aqui e vai querer voltar, pois ele não vai conseguir visitar tudo de uma vez só. Por isso, precisamos diversificar as opções. Hoje ele pode ficar em Bento por uma semana, por exemplo, no Vale dos Vinhedos, e não consegue visitar tudo. Se tratando de desenvolvimento regional, já está sendo trabalhado projetos em conjunto com outros destinos turísticos da Serra Gaúcha e dos Aparados, para atrair mais o turista. Se a região como um todo trabalhar de forma conjunta, divulgando um ao outro, vai fortalecer cada vez mais e consolidar o destino Serra Gaúcha. Todos ganham e consequentemente Bento também ganha.

Do que Bento precisa

Bento tem um potencial enorme. Sou apaixonado pela cidade, mas vejo que ainda pode melhorar bastante. Se tratando de infraestrutura de estradas, temos vários problemas. A gente precisaria de novas vias e quando falo isso é realmente abrir estradas. Além disso, é inadmissível que em 2021 não tenha uma pista dupla que cruze a cidade. Vamos, por exemplo, citar o São Roque, que é outra cidade dentro de Bento. Se tu for para os bairros localizados naquelas imediações, só tem uma entrada, então fica complicado para os moradores e também para os demais indivíduos, pois, para ir até aquela região, se vai sempre pela mesma via, a avenida São Roque. Tem que ter uma outra alternativa. Para desafogar o Centro, a única alternativa é ter vias laterais que funcionem e a avenida São Roque, juntando com a Osvaldo Aranha, precisa ser dupla.


Diferenciais do turismo no RS

O povo gaúcho ganha pela receptividade, pelo trabalho e esforço. Somos um povo feliz. Acho que um dos diferenciais que a gente tem é a garra. Não é à toa que nosso estado é desenvolvido, apesar de todos os problemas que temos, ainda assim estamos muito bem. Tem muitas empresas por aqui. Se tivéssemos políticas públicas boas, orçamento legal, uma máquina pública muito mais enxuta, disparávamos na frente de todos os demais estados.

Entidades

As pessoas devem entender que uma entidade não é somente para pagar uma taxa ou algo nesse sentido, mas que é ela que tem força para conseguir buscar recursos, coisas novas. Se tu ingressas em uma entidade, não é sinal que você quer ser político, mas sim que quer que as coisas aconteçam. Uma das melhores oportunidades que tive foi ter entrado na equipe de coordenação da Fenavinho. No momento que me convidaram para fazer parte, pensei até em não ir, mas resolvi aceitar o desafio. Quando conheci o Centro da Indústria, Comércio e Serviços (CIC-BG), aquilo mudou totalmente a minha forma de pensar como entidade, pois ela é organizada, política e influente não só em Bento, mas a nível regional. O CIC cresce, pois tem força, com uma diretoria muito bem organizada, onde cada um tem sua função e a exerce da melhor maneira. Atualmente, participo do Segh há muitos anos e também da diretoria da Aprovale. Nessa última, temos que retomar a força e tentar puxar a comunidade para o nosso lado, pois queremos que ela seja parceira na tomada de decisões e o nosso povo quer ser valorizado. Também acredito que se pode pensar na possibilidade da criação de uma associação para a área gastronômica.

Conselho aos jovens

Estudem e sejam dedicados. Quando forem ingressar no mercado de trabalho, não devem pensar que estão trabalhando para a empresa, mas que trabalharão para si próprios. Não podem achar que vão trabalhar por dinheiro, pois ele é uma consequência. A gente tem que crescer e desejar que as pessoas cresçam. Outra questão é que, muitas vezes, a palavra ambição não soa muito bem. Ela é boa, mas tem que ser honesta. Tu tens que ter ambição e querer ter o melhor para a tua vida. Eu não preciso de muito, mas quero que minha família esteja bem.