Impossível lembrar de todos os momentos de nossa vida. As lembranças são criadas quando, naquele momento vivido, envolve um sentimento muito forte, seja alegria, tristeza, dor, euforia. É a partir dessa lembrança que criamos as nossas crenças limitantes, aquelas malditas que ficam escondidas na nossa cabeça, nos marionetando sem que a gente perceba.
Quando descobri essa teoria tão incrível e tão óbvia, tudo fez sentido. Os momentos cheios de emoção ficam guardados em uma gaveta bem acessível, e podemos pegar elas com mais facilidade. Outras nem tanto, ficam no armário misturadas com milhões de outras lembranças que nosso cérebro decidiu arquivar para nos poupar energia, visto que para ele, não são prioridade.
Passei muito tempo sofrendo, sentindo falta de algumas coisas da minha infância e adolescência. O casarão antigo da minha vó materna, os cômodos sem fim, o fogão a lenha, o jardim e o pé de cinamomo que encobria os piqueniques. A casa aconchegante da minha vó paterna, a bolacha Maria que ela amorosamente comprava para mim, as bonecas coloridas que ela tirava da decoração para eu brincar.
As viagens com minha mãe, o cheiro de borracha queimada dos ônibus intermunicipais, a coxinha cheirosa do boteco. As três horas de viagem que viravam uma eternidade. O banheiro fétido e sujo da rodoviária. O suor dos trabalhadores no único ônibus que ia até o vilarejo.
Gostaria de vivenciar tudo isso novamente. Acho que é o desejo de muita gente, querer voltar àquele lugar, àquele dia, com aquela pessoa. Receber aquele cafuné, com aquela chuva caindo. Por que perdemos tanto tempo apegados à memórias tentando, em vão, voltar no tempo? Nos decepcionamos, pois, ao invés de criar novas lembranças, ficamos apegados a algo que nunca será igual ao que vivemos um dia.
A rodoviária fechou. Aquele ônibus que ia pro vilarejo deve estar no ferro-velho. Quando fiquei sabendo do fechamento da rodoviária, senti um aperto tão grande, uma vontade de sair correndo e ter certeza que não, que ela continuava lá, pequena, úmida e mal conservada. Passei horas, dias pensando nela. Da mesma forma quando derrubaram as casas antigas dos meus avós e depois, quando venderam as terras. Como poderia jogar bola no pátio, enterrar os gafanhotos mortos no jardim, apanhar do meu primo mais novo. Ajudar minha vó a fazer bolacha caseira, brincar de dirigir a carroça, descer até o rio de Fusca verde nas férias de um verão escaldante.
Até que tomei a decisão de não ficar triste. Essas lembranças não podem ser tiradas de mim, são minhas, feitas de imagens e sentimentos. Seria impossível revivê-las, tal como era na época. Mas sempre que quiser, posso ir até elas, passear pelos flashes, sentir o cheiro da chuva na terra, abraçar meus avós. Se tentasse deixar tudo igual, a magia não existiria mais, pela depredação do homem e do tempo – além de ser egoísmo não querer que as coisas mudem ou melhorem. Assim, as novas construções, as novas árvores, os novos ônibus, estão criando lembranças em outras crianças, enchendo a infância delas de família e amor.