-Boa-tarde, dona, tudo bom? O que a senhora vai querer? Picanha no ponto, vazio bem passado ou costela gorda?
A cada novo cliente, o chef se desmanchava em gentilezas, regadas a perdigotos que evaporavam no calor da grelha.
-Tem frango? – perguntei, duvidando da suculência do que me era oferecido.
-Só coxa…
Cismei com o “só”. O monossílabo rebateu em minha cabeça e voou para dentro da churrasqueira. Eu matutava… Até construí um silogismo: “Tem coxa. A coxa é de frango. Logo, tem frango!”.
-Pode conferir – completou o grandão, exibindo as coxas. Do frango, é claro!
Recuei. A TV mostrava uma imagem inoportuna, de animais sofrendo maus tratos, que reavivou meus princípios: nada de comer qualquer coisa que um dia teve cara. Mas, sabe como é: meio-dia, espeto no fogo, barriga vazia. Então optei pela carne vermelha, cujas partes não lembravam o todo…
-Vou tirar essa “capa dura”, que, depois de certa idade, os dentes não são mais os mesmos – ponderou o homem.
“Imbecile!”, xinguei em pensamento com meu prosaico italiano. E daí que eu “já não cozinhava na primeira fervura”? Não usava “Corega”, ora bolas! Inclusive, podia jurar que meu sorriso tinha mais dentes do que o dele, com vinte anos a menos.
O cara me serviu com um “pronto” que deixava escapar a cumplicidade pelo canto da boca. A contragosto, agradeci pela deferência e fui para a mesa, com o naco macio fumegando no prato.
Enquanto mastigava, ruminava ideias… e letras de música. Até um clássico italiano me passou pela cabeça: “Parole, parole, parole/ Parole, parole, parole/…”. Havia palavra menos certa do que a palavra “certa” naquele contexto?
Por causa do exercício mental, acabei mergulhando nos eufemismos, aquelas palavrinhas que suavizam a mensagem ou a tornam politicamente correta. Eta criatividade brasileira! Sorri à lembrança da velha piada de caserna, onde o comandante recomenda o uso desse recurso linguístico para amenizar o choque da mulher ao ser dada a notícia da morte do marido. O soldado obedece. Após tocar a campainha, ele pergunta a ela respeitosamente: “É aqui que mora a viúva do Sargento Ariovaldo?”
Fim do almoço. Embora nem tudo tenha descido goela abaixo, já era tempo de fazer de conta que o comentário do garçom tinha a qualidade do chuchu. Quem se importava com chuchu?
Aguardava, na fila, com meu cartão à vista e meu ego recomposto, quando fui surpreendida com a observação logo atrás de mim:
-Sem um caixa para o pessoal da “melhor idade”, isso não anda.