Quando me deram a notícia da morte do professor Idalino Vailatti, não tive tempo de domesticar a notícia; meus olhos imediatamente me comunicaram um tumulto de águas. O professor Idalino foi meu primeiro mestre e com ele aprendi a gostar de ler e estudar.

Esta crônica, portanto, cumpre a tarefa de prestar uma singela homenagem aos professores e às crianças, cujas datas comemoramos neste mês de outubro.

Meados de dezembro de 1972, quarta série do primeiro grau.

Ia eu, nos meus onze anos de idade, atrasado para a escola porque havia embolorado parte da noite a revirar-me de um lado a outro na cama. O sol já tinha colocado o dia de pé e eu ainda estava deitado.

Com a cara amassada de sono e o cabelo medonho, calcei as congas de lona azul esburacada por onde o dedão vinha espiar o dia. Vesti o guarda-pó branco caindo sobre as calças curtas. Suspendi a bolsa de pano dentro da qual ia a cartilha “Caminho Suave”, o caderno de brochura da marca “Colegial” com a letra do Hino Nacional na quarta capa, régua de madeira, apontador, lápis tabuada da Faber e borracha bicolor, a parte rosa apagava lápis e a azul apagava tinta de caneta.

Lancheira, nem em sonho.

Caminhando apressado pela estrada, que naquele dia era um rastro de poeira, não me detive com as mulheres chamando as galinhas com as conchas das mãos cheias de milho “piri-piri, piri” e nem com o berreiro dos gêmeos que decidiram atacar, inadvertidamente, uma casa de formigões com pedacinhos de graveto.

Tomado pela pressa, sequer gastei tempo admirando as vovós em suas cadeiras de balanço, postas na varanda, fazendo trança com palha de trigo que mais tarde, viravam chapéus e cestos cor de ouro.

Mal pude sentir o cheiro de pão sendo assado no forno de tijolos assentados no barro e da uva começando a pintar nos parreirais com seus moirões de pedra. Resisti a tentação de colher um punhado de amoras brancas que se ofereciam aos cachos.

Logo tomei um atalho e esbaforido adentrei a sala.
Por muito pouco não pego o começo da aula. Então, o professor Idalino com sua voz firme, disse:
– Este é o último dia de aula e também o último dia que virão a esta escola do Paredes, pois daqui passarão para uma nova etapa de suas vidas. Talvez os caminhos de alguns de vocês nunca mais se encontrem.
Aquelas palavras fizeram-me esquecer as aulas enfadonhas de Moral e Cívica.
Em dado instante, o professor disparou a clássica pergunta:
– O que irão ser quando crescerem?
Depois de um rápido cheiro de fumaça de neurônios queimados, ouviu-se: “Padre”, “Motorista de caminhão”, “Jogador de futebol”, “Professora”, “Enfermeira”…
Eu nada respondi.
Perto do meio-dia, o professor tentou falar alguma coisa, não conseguiu.
Tentou segurar a emoção, apertando bem os dentes, não conseguiu. Olhos umedecidos, virou-se para o quadro negro e escreveu com letra bem desenhada. ´Lutem pelos seus sonhos.
Um a um, meus colegas começaram a deixar a sala de aula. Fui o último a sair.
Antes, porém, corri os olhos pelos bancos da classe, agora vazios. Detive-me por um instante no livro do poeta Casimiro de Abreu sobre o armário do canto da sala. “Quando crescer vou escrever um livro”, disse a mim mesmo.
E saí da sala com o coração partido, mas com a certeza de que iria lutar pelo meu sonho.