Espaços que antes forneciam conexão agora se reinventam como loja de serviços digitais, prestando auxílio na rotina com a tecnologia

O ano é 2022 e é possível acessar reportagens, notícias, contas de banco, perfis de pessoas, e dezenas de outros serviços com poucos toques no celular. A partir de redes de internet banda larga por quase todos os lugares ou planos de 4G acessíveis, qualquer ação no mundo online se torna fácil e praticamente instantânea. Alguns podem até dizer que os mais antiquados ainda se limitam a essas ações somente frente a um computador. Entretanto, aqueles que não possuem sequer uma máquina ou smartphone com essas possibilidades de acesso, ainda recorrem a algo que muitos esqueceram que existe, as lan houses.

Esses espaços, mais comuns nos anos 1990, forneciam uma maneira inclusiva de acesso à internet e outras atividades, como jogos eletrônicos. Normalmente eram cheios de clientes à procura de um tempo breve nas redes mundiais de computadores. Agora, com a conectividade tendo engolido inclusive a nossa vida offline, muitos podem acreditar que esses locais perderam sua utilidade. Entretanto, lan houses ainda são comuns e os proprietários precisaram de uma visão aguçada para modificar seu trabalho, transformando-se em uma loja de serviços digitais. A utilidade desses espaços retorna não como estações de acesso, mas de acessibilidade àqueles que não acompanharam essa rápida transição digital.

Surgimento do fenômeno das lan houses

As lan houses surgiram na Coreia do Sul, em março de 1988, quando o primeiro espaço com dois computadores para acesso ao público foi inaugurado. Naquela época, o espaço foi chamado de cyber café e era voltado principalmente aos alunos da Universidade Hong, que iam ao local para estudar e comer ao mesmo tempo. Havia somente duas máquinas, de configurações rudimentares, conectadas à rede telefônica, conhecida rede discada no Brasil dos anos 1990.

A ideia deu certo e, alguns anos depois, houve a inauguração de outro espaço semelhante, aberto a todos cidadãos que pudessem pagar cinco mil wons (moeada coreana), R$ 19 com a cotação atual, para permanecer uma hora em uma das 17 máquinas. Foi em 1991 que o fenômeno do cyber café começou a se expandir pelo mundo, chegando nos Estados Unidos, que incentivou a cultura de frequentar esses locais através das mais diversas mídias.

O nome ‘lan house’ começou a ser usado somente no fim da década de 1990, quando o lançamento de jogos com foco em disputa online chegou ao mercado. Jovens começaram a utilizar a internet para disputar partidas contra outros amigos em uma mesma loja ou em outros locais do mundo. A conexão entre duas máquinas em um mesmo local é denominada como ‘lan’, por isso a mudança no nome dessas propriedades.

No Brasil, o auge desses espaços durou aproximadamente 12 anos, de 1998 a 2010. A popularização de conexão e computadores criou uma situação que, num primeiro momento, tornou muitas características das lan houses obsoletas. Em grandes centros urbanos é mais difícil de encontrar essas lojas, muitas vezes escondidas sob a sombra de arranha-céus. Entretanto, em cidades menores é mais comum ver esses locais que sobreviveram ao tempo e se adaptaram junto aos avanços da tecnologia.

Mantendo integração digital em Bento

Mesmo após a decaída do movimento de lan houses, uma pesquisa de 2013, do Centro de Estudos Sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC), mostrou que, naquele ano, 19% da população urbana brasileira ainda utilizava esses locais. Desse número, cerca de 25% eram estudantes do ensino fundamental e a grande maioria, 40%, possuía renda familiar equivalente a um salário mínimo. Com isso, as lojas se mantiveram firmes entre aqueles que mais precisavam do serviço.

Em Bento Gonçalves, a lan house Prymus mantém seus negócios no segundo andar do Shopping Bento, desde 2007. Por lá, a adaptação para uma loja de serviços digitais aconteceu e, agora, opera como um auxílio àqueles sem manejo digital. Um dos sócios do espaço, que é gerido por Alan Lucho e Marisa Maciel, explica que durante o início de cada mês eles chegam a receber mais de 100 clientes diariamente. “Público é diverso, desde a criança que vem imprimir um desenho ou um trabalho de escola, aos idosos que precisam de um suporte para auxiliar eles na impressão de documentos e contas”, exemplifica Alan.

De acordo com ele, o Brasil foi se digitalizando cada vez mais, mas a necessidade de documentos impressos para assinatura, pagamento, certificação e afins, ainda é muito constante. Isso faz com que algumas pessoas que não têm uma impressora ou afinidade com computadores busquem auxílio na lan house. Enquanto a reportagem do Jornal Semanário estava no local conversando com o Alan, cerca de três clientes chegaram e, pelo menos dois deles, pediram auxílio enquanto navegavam. Sandra Girotto, esposa do sócio da loja, ajuda também nessas questões.

A adaptação não veio somente como um espaço para auxílio, mas como um lugar que fornece um amplo respaldo na tecnologia. A venda de peças, computadores, notebooks, atualização de GPS, gravação de músicas e vídeos, são alguns dos serviços prestados. Com isso, Alan garante que a atividade da loja é lucrativa no momento. A pandemia, ao contrário de muitas realidades comerciais, influenciou positivamente na procura de serviços. “No ano letivo online dos alunos, pais e professores nos procuraram para ter um suporte do qual não tinham conhecimento algum, ou muito pouco na área da informática”, lembra.

Desde 1988, com a origem do fenômeno do cyber café, até hoje, a revolução com serviços de internet e conexão ocorreu de forma rápida. Apesar disso, alguns lugares parecem perseverar ao tempo, se remontando a favor da necessidade daqueles que não conseguiram acompanhar as atualizações quase diárias da tecnologia. “A lan house é o meio mais fácil e profissional de qualquer pessoa, a qual não tenha conhecimento na área, de fazer tudo o que precisa e apenas pode ser feito pela Internet. Então creio que ainda não tenha prazo de validade para a loja”, pondera Alan.

Fotos: Márcio Schinoff